Uma Campanha Alegre/I/LI

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Janeiro 1872.

Agitou-se, agita-se ainda, a questão da emigração. Há um homem, Mr. Charles

Nathan, que leva para Nova Orleães, com bons salários, todas as actividades que se ofereçam.

A emigração, entre nós, é decerto um mal.

Em Portugal quem emigra são os mais enérgicos e os mais rijamente decididos; e um país de fracos e de indolentes padece um prejuízo incalculável, perdendo as raras vontades firmes e os poucos braços viris.

Em Portugal a emigração não é, como em toda a parte, a trasbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre. Não é o espírito de actividade e de expansão que leva para longe os nossos colonos, como leva os ingleses à

Austrália e à índia; mas a miséria que instiga a procurar em outras terras o pão que falta na nossa.

Em Portugal a emigração, tomando o rumo dos países estranhos, contraria a necessidade urgente de regularizar interiormente uma emigração de província a província.

Em Portugal a emigração não significa ausência - significa abandono. O inglês, por exemplo, vai à Austrália e à América fazer um começo de fortuna - para voltar a

Inglaterra, casar, trabalhar, servir o seu País, a sua comuna, trazendo-lhe o auxílio da vontade robustecida, da experiência adquirida, do dinheiro ganho: para Portugal, o emigrante que volta, provido de boa fortuna, vem ser um burguês improdutivo, uma inutilidade a engordar.

Enfim a emigração é má, o Sr. Nathan funesto. Somente o nosso pesar é que o Sr.

Nathan, em lugar de alguns centenares dos nossos -não nos queira levar a nós todos.

Porque partimos já, sem hesitação, em massa. Fugimos das cebolas do Egipto. E, mais felizes que os israelitas, temos em lugar do incerto milagre do mar Vermelho - os excelentes vapores da Liverpool and Mississipi Steam Ship Company.

Vamos todos!

E estranho - que haja quem estranhe a emigração. Nós estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento dos caracteres, mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas, quando se quer falar de um país caótico e que pela sua decadência progressiva poderá vir a ser riscado do mapa da Europa - citam-se, a par, a Grécia e Portugal. Nós, porém, não possuímos como a Grécia, além de uma história gloriosa, a honra de ter criado uma religião, uma literatura de modelo universal, e o museu humano da beleza da Arte. Apenas nos ufanamos do Sr. Lisboa, barítono, e do Sr. Vidal, lírico.

El-Rei D. Pedro V tinha lido o livro de E. About A Grécia contemporânea: e aquele rei que era um grave e fino espírito, e por vezes um subtil humorista - entretera-se anotando à margem o precioso livro de About. Onde estavam nomes dos estadistas da

Grécia, o rei punha os nomes correspondentes dos homens públicos de Portugal; onde vinham as narrações das indignidades políticas de Atenas, ele lançava à margem as correlativas indignidades políticas de Lisboa; onde About desenhava com a sua pena maliciosa, cáustica e tão profundamente francesa, um certo ministro da Fazenda que era ladrão - D. Pedro V escrevera ao lado: «Cá chama-se o senhor...». Figura no livro, como torpe, segundo o julgamento do excelente rei, muito homem hoje célebre na vida pública, com bons ordenados e autoridade. O livro assim anotado, mudados os nomes -é a descrição mais exacta do estado de Portugal. Como deve ser infeliz um rei inteligente, quando, caído em cepticismo e misantropia pela certeza que adquiriu de que está no meio de uma pocilga política, não pode todavia entregar a Nação à experiência republicana, nem chamar a si o poder absoluto! Um tal rei, se não se converte por fastio num bom rei de Yvetot - termina sempre por morrer cedo.

Ora, na Grécia, o facto permanente é a emigração. E nós emigramos, pelo mesmo motivo que o Grego emigra - a necessidade de procurar longe o pão que a Pátria não dá.

O Grego que não tem indústria, nem agricultura, nem comércio, encontra-se ao entrar na vida sem colocação: - toma então a sua carabina e vai para as montanhas que Teócrito cantou, roubar viajantes ingleses, ou embarca no Pireu e emigra para Alexandria, para

Trípolis, para as escalas do Levante, para os estados barbarescos, para Marselha, para qualquer ponto onde haja algum pão a roer ou alguma piastra a ganhar.

Nós, que (bem a nosso pesar) não podemos ir roubar para as montanhas porque não temos a quem roubar - vamos procurar o Sr. Nathan.

E o Governo, a opinião, admiram-se! Mas onde pode a plebe ganhar o pão? A grande indústria, a dos tabacos, dá 250 réis de salário a um operário com família. As indústrias fabris são poucas, periclitantes, com interrupções constantes de trabalho. A indústria mineira está abandonada à exploração de companhias estrangeiras. A agri-cultura vive de rotina - empobrecendo a terra e empobrecendo o homem. Não temos piscicultura, nem silvicultura, nem indústria pecuária. O trabalhador dos campos vive na miséria, come sardinhas e ervas do campo: a maior parte anda à malta, trabalhando aos dias, errante de fazenda em fazenda, por 80 réis diários, nos tempos de salário. A usura e a agiotagem, unidas, exploram a gente do campo: os tributos são fortes, as vexações do fisco incessantes. Na província, por um imposto de 20 e 30 réis, atrasado e relaxado, vimos nós pagar 5 e 6 mil-réis, com custas, etc. Os pobres não tinham a quantia? penhora no casebre! Nas cidades o operário é vítima do monopólio - monopólio no pão, no bacalhau, no azeite. Não há entre nós uma escola teórica de aprendizagem! Que querem os senhores que se faça num país destes? Sair, fugir, abandoná-lo! O País é belo, sim, de deliciosa paisagem. Mas a política, a administração, tornaram aqui a vida intolerável. Seria doce gozá-la, não tendo a honra de lhe pertencer. Só se pode ser português - sendo-se inglês!

E no entanto, perante a emigração crescente, que faz o Estado, a imprensa, a opinião?

Interrompe-se um momento, e volta-se para os colonos, aplica-lhes a luneta - e diz àquela plebe esfaimada:

— O quê! quereis ir embora? Oh imprudentes. Tendes acolá os terrenos do

Alentejo!

Ora os terrenos, os eternos terrenos do Alentejo, são simplesmente um gracejo torpe.

Os terrenos do Alentejo, tais como estão, não produzem na generalidade senão bolota. E justamente o Governo, a imprensa e a opinião oferecem esses terrenos tais como estão. Conheceis brincadeira mais abjecta?

Uma população de trabalhadores, operários, proletários, pede trabalho - senão emigra. E o País exclama:

— Não emigreis, tendes acolá os terrenos do Alentejo - isto é, tomai vós, ó proletários, ó gente do campo, á pés descalços, os quatro ou cinco mil contos que tendes aí no bolso roto da jaqueta, associai-vos em grandes companhias, comprai máquinas e instrumentos, lavrai tantas léguas quadradas, arroteai, regai, abri poços, fazei aquedutos, estabelecei lezírias, levantai grandes fundos com o vosso grande crédito, tu Manuel da

Horta, tu José da Cancela, tu ferrador, tu jornaleiro - e enriquecei!

O Estado, a imprensa, a opinião têm razão; - somente como o trabalhador não traz ali os quatro ou cinco mil contos na algibeira e não está para os ir buscar a casa, por causa da chuva -embarca para Nova Orleães.

Dizer a um homem: - Você quer ganhar dezoito vinténs por dia? Escusa de sair do País, gaste aí uns mil contos a arrotear terrenos incultos, e vem a ter de salário, não direi os dezoito vinténs justos, mas dezassete e meio com certeza...». Dizer isto é uma facécia impudica!

Tem sido de um alto grotesco este conselho que se dá de arrotear os terrenos do

Alentejo! Todo o mundo o dá, os jornais, os frequentadores da Casa Havanesa, os moços de café, e os poetas líricos. Arroteie-se o Alentejo! exclama cada um esfregando as mãos, e puxando o fumo do cigarro.

— Pois bem, meus senhores, sim, arroteemos! Mas então aproveitemos este grande impulso nacional, esta energia das forças vivas! E de passagem - conquistemos o Santo

Sepulcro, e mandemos varrer o Largo do Loreto!

Mas a melhor facécia tem vindo do sentimentalismo:

— O quê, colonos! ides deixar a terra do vosso berço, a verde alfombra, o escondido casal na encosta do monte, o grato rouxinol que...

Mágoas diz do seu penar?

Este argumento tão económico, tão positivo, tão firmado em cifras, abala extremamente os emigrantes-os quais provam a sua comoção, remando a toda a força para o paquete da Nova Orleães.

E no entanto, na praia, a imprensa suspira!

Um facto curioso é que a opinião que mais tem enrouquecido a bradar contra a emigração, tenta sobretudo provar que a emigração para Nova Orleães não dá as vantagens prometidas pelo engajador.

Por consequência o que se condena não é o facto da emigração, que se julga irremediavelmente necessário - mas o lugar para onde se emigra. A guerra é feita à

Nova Orleães, não ao abandono da Pátria. A Nova Orleães fez o que quer que fosse à opinião pública. O caso é que a opinião não traga a Nova Orleães. Talvez questões de mulheres, como se dizia na Grã-Duquesa de Gerolstein.

Que fazem com isto a imprensa e a opinião? Incitam à emigração. Como?

Acusando o pouco que os colonos vão ganhar na Nova Orleães, e fazendo cotejos que implicitamente lhes lembram o muito que ganhariam em São Paulo ou na Califórnia.

Não detêm a corrente - mudam-lhe a direcção. Isto é - dirigem a emigração, o que é uma maneira de a desenvolver, ainda que tomando para isso o caminho mais laborioso.

Mas, enfim, temos a opinião e a imprensa confessando que a vida é extremamente difícil em Portugal, e que a acção natural que todo o cidadão português deve ao seu País

— é abandoná-lo.

Entretanto que faz o Governo? Diz-se que o Governo recomendara às autoridades do País que impedissem a emigração. Se assim é, gostamos. Um Governo impedindo a acção de uma lei económica por um ofício - tinha-se visto nas anedotas do Tintamarre.

É-nos dado, a nós Portugueses, possuir o facto real, autêntico, referendado. Somente que processo emprega o Governo? Coloca-se entre o bote e o emigrante, gritando alti-vamente:

— «Não passarás!» Agarra-o pela gola da jaqueta, ganindo: «Faz favor de não se safar?» Que o Governo nos esclareça! Bom e querido Governo!... Diante deste grave problema, a emigração, tendo de examinar as condições do País agrícola, de estudar o meio de organizar o trabalho, de regularizar uma emigração interior, de empregar os braços ociosos, de converter em vantagem nacional a energia nativa da população, de obstar ao enfraquecimento do País pela perda da sua riqueza viva, diante destes problemas - o Governo volta-se para o regedor e, por toda a ideia, por toda a ciência, lança esta ordem:

«A respeito dos colonos, o melhor é fechá-los à chave!»

Como solução a um problema económico - o Governo acha uma fechadura. A governação do Estado torna-se questão de serralharia! Um trinco é um princípio: um parafuso uma instituição! Como vós sois grandes! Deixai-vos ver bem de frente... Ah! sois imensos! Mas Sancho Pança - era maior.