Uma Campanha Alegre/I/XI

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XI

Junho 1871.

No folhetim do Diario Popular de 24 de junho lêem-se notaveis considerações de ordem moral. São em verso. O poeta dirige-se, na sua declamação solitaria, a uma mulher.

Numa prosa anterior (prelúdio) escreve que a missão da arte é ensinar a amar (!) — e que na arte não entra realidade, justiça ou moral pública porque (acrescenta) a arte nada tem com os direitos civis. Colocado assim à Larga, na anarquia da voluptuosidade e do lirismo, aí está o que o poeta expõe e ensina num jornal popular, com uma tiragem de 20000 exemplares, que anda por cima das mesas e nos cestos de costura!

Começa por dizer:

Que é bom amar no campo, à tarde e a sós!

Depois continua:

Que prefere o campo, porque nas salas do mundo não lhe é dado beijar a mão dela às largas! Que o campo é livre e as sombras dão refúgio !

Por fim acrescenta:

Que queria que os raios cintilantes os cingissem a ele só com ela, erguidos em

êxtase, longe de quanto é vil...

(Quanto é vil, na gíria da poesia lírica, é o mundo real, a família, o trabalho, as ocupações domésticas, etc.).

Dispensamo-nos de citar mais estrofes lascivas.

Aquelas bastam para legitimar as seguintes observações:

Nenhum jornal publicaria semelhantes teorias em prosa;

Nenhum homem que as escrevesse ousaria lê-las a sua filha, sem gaguejar, e sem comer as palavras;

Nenhuma senhora que por acaso as tivesse lido ousaria citá-las.

Como se consente então a sua publicação em verso? A higiene não é só a regularização salutar das condições da vida física; nela devem também entrar os factos da moralidade. Se é proibido que um monturo imundo ou um cão morto corrompam o ar respirável das ruas — porque há-de ser permitido que um poeta, com as suas endechas podres, perturbe o pudor e a tranquilidade virgem?

Há uma postura da Câmara que impõe uma multa a quem pronuncia palavras desonestas: porque não há-de ser igualmente proibido publicar ideias desonestas?

Um ébrio, um pobre homem a quem se não deu educação, a quem se não pode dar leitura, a quem quase se não dá trabalho, diz uma praga numa rua, ouvida apenas de três ou quatro pessoas, e vai para a cadeia ou paga uma multa de 3$000 réis. Um poeta lírico, esclarecido, aprovado nos seus exames, empregado nas secretarias, publica num jornal de cinquenta mil leitores, em letra impressa, permanente e indelével, uma série de desonestidades, e é apreciado, cumprimentado no Martinho, indigitado para uma candidatura!

Pedimos pois:

Ou que seja permitido livremente dizer na rua e no jornal pragas e desonestidades;

Ou que a multa da Câmara Municipal seja aplicada a todos — e que tanto o ébrio que não sabe o que diz à esquina de uma rua, como o poeta lírico que escreve, com reflexão e rascunho de uma semana, ao canto de um jornal, paguem os 3$000 réis à

Câmara, um pela sua praga, outro pela sua endecha.

No folhetim do Diário Popular de 24 de Junho lêem-se notáveis considerações de ordem moral. São em verso. O poeta dirige-se, na sua declamação solitária, a uma mulher.