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Uma Campanha Alegre/I/XLI

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Outubro 1871.

Consiste ele em que, nos dias de gala, quando S. M. está na tribuna, no aparato de corte, os espectadores não podem aplaudir, nem patear, nem mostrar opinião.

Este costume - vindo dos antigos tempos em que na presença do seu rei o vassalo devia estar sem ideia, sem gesto, perfilado e nulo - é belo. Mas autoriza uma certa lógica:

Podendo o espectador aplaudir ou desaprovar quando S. M. ocupa o seu pequenino camarote de veludo cor de cereja, e não podendo fazer ruído quando S. M. se apresenta na tribuna, sob o esplendor dos lustres - segue-se que o rei só é respeitável e só se respeita quando está de gala!

Portanto, à maneira que S. M. vai saindo do cerimonial da gala, vai diminuindo o nosso respeito para com ele!

Quando S. M. se mostra na tribuna, estamos humildes e tácitos:

Quando S. M., nos dias simples, vem para o seu camarote, perdemos um pouco o respeito, e começamos a fazer barulho:

(E esta lógica não pára nas suas conclusões!):

Quando S. M. sair do seu camarote, e for humanamente meter-se na sua carruagem, como a gala diminuiu ainda mais, o nosso respeito diminui também - e passamos, numa liberdade crescente, a dirigir-lhe chulas:

Quando S. M., dentro do seu cupé, acender o seu charuto, como o cerimonial é menor do que no momento retro, o respeito é menor ainda - e rompamos logo, numa intimidade já irreprimível, a atirar-lhe cebolas;

Se víssemos S. M. a comer bifes, o nosso respeito estava no fio, e principiávamos a dar-lhe piparotes na orelha.

Se o víssemos de robe de chambre o respeito ficaria extinto, e saltaríamos para os seus reais ombros, esporeando as suas reais ilhargas.

Ora isto, realmente, não convém à Monarquia!

Porque enfim, por este modo, S. M. não tem remédio para se fazer respeitar cabalmente - senão ficar eternamente na tribuna.

E seria cruel obrigar S. M. a dormir na tribuna, tomar banho na tribuna, passear a cavalo na tribuna, caçar a lebre na tribuna, e viajar pelas províncias - na tribuna.

Não, Portugueses, não o consintais!

Que os poderes públicos pois sejam generosos, e se permita à plateia de S. Carlos, mesmo em dias de gala, ter opinião! Não aplaudir, estar sério, sorumbático, soturno - é talvez o respeito: mas pode confundir-se também com o desgosto, com o tédio.

E seria triste que perguntando um estrangeiro:

— Porque está esta plateia tão amuada?

Se lhe devesse responder:

— Porque faz anos o seu rei.

Reapareceu ou continuou (não sabemos), no teatro de S. Carlos, um antigo costume de todo o ponto prejudicial aos interesses da monarquia.