Uma Campanha Alegre/I/XXXIX
Outubro 1871.
— Deixai vir ter comigo as crianças, abençoadas são elas! elas sabem muitos segredos que os sábios ignoram.
Parece que ultimamente o clero não tem esta consoladora ideia de Jesus. O Sr.
Encomendado de Santos-o-Velho, no dia de Finados, depois da missa conventual, paramentado, sobre o degrau do altar, voltou-se para o povo, e repreendeu as mães que levavam consigo as crianças à missa! E aí estão enfim as crianças expulsas da Igreja, não podendo ao menos ir uma vez por semana erguer as suas pequeninas mãos para
Aquele que foi outrora, nas sombras da Galileia, o seu amigo imortal!
Respeitamos profundamente esta opinião católica do Sr. Encomendado de Santos-o-
Velho. sem dúvida mais moral que as mães levem seus filhos à taberna, e lhes ensinem cuidadosamente - mostrando-lhes, em lugar de uma cruz, uma navalha de ponta - esta máxima salutar: esfaquiai-vos uns aos outros! Assim se formam os justos. E seria mesmo conveniente que a opinião do Sr. Encomendado tivesse uma realização prática: que houvesse na Igreja, para as crianças, a mesma polícia que há para os cães: e que, ao lado do respeitável funcionário enxota-cães, se perfilasse do outro lado da porta o meritório empregado enxota-crianças. E o culto alcançaria, definitivamente limpo do ladrar dos cães e do chorar das crianças - o mais alto grau de pureza.
Realmente as crianças que choram à missa cometem um desacato. Segundo afirma a teologia casuística, os manuais de inquisidores, as dissertações dos dominicanos,
(Chicotes, Lanternas, Fustigações, são os títulos destes livros pios) e ainda segundo as profundas obras de Nieder, Sprenger, Spina e Bodin, o ilustre legista de Angers, as crianças trazem dentro de si o demónio, e quando choram nas igrejas é porque Satanás pretende insultar o culto e o sacerdote. De sorte que o Sr. Encomendado de Santos-o-Velho ainda nos parece tolerante; porque deveria talvez, com a sua autoridade de sacerdote e de teólogo, ordenar às mães que quando à missa as criancinhas lhes chorem ao peito - imediatamente lhes esmaguem as cabeças no lajedo, para abafar a voz do
Maligno!
O Sr. Encomendado referia-se apenas às crianças pobres. Às crianças ricas não imporia ele, sacerdote de Jesus, esse aristocrático mestre, uma exclusão irrespeitosa. - E essas mães pobres podem talvez dizer-nos:
Que são pobres; que não têm quem lhes fique em casa a tomar conta dos filhos;
Jesus, quando não sofria ainda aquela áspera melancolia que lhe deu mais tarde a presença de Jerusalém branca e dura, era um meigo rabi, que percorria perpetuamente, no infinito enlevo do seu sonho, a sua tranquila e humana Galileia, ora a pé, ora num desses pequenos burros que têm os olhos tão grandes e tão doces e que vêm da alta
Síria. Entrava nas sinagogas; e, comentando os velhos papiros da lei, ensinava o Deus novo. Parava nos casais, sentava-se às portas, sobre os bancos encanastrados de vime, debaixo dos sicômoros. As mulheres davam-lhe mel, vinho de Safed, e diziam: - «fala, rabi, fala!» As crianças tomavam-lhe as mãos, ou puxando-lhe pelas compridas pontas do seu couffie, amarrado por uma corda da pele de camelo, queriam ver o fundo dos seus olhos. Os discípulos afastavam as crianças. Mas o Mestre murmurava sorrindo: que os não querem deixar sós no berço, chorando no isolamento, ou, se são mais crescidos, ao pé do lume, arriscados ainda a caírem, a ferirem-se, a virem para a rua, a serem atropelados; que enfim não se querem separar deles, e que, como são pobres, sem pão farto, desgraçadas neste mundo, só lhes resta na Igreja o sonho consolador de um
Céu que repara! Isto é talvez assim (ainda que se percebe que estas razões são inspiradas por Satanás). - Mas também é verdade que os Srs. Encomendados não podem ser interrompidos na sua missa pelas crianças que rabujam, e que se torna de toda a justiça que sejam excluídas da Igreja, como perturbadoras da ordem, da decência e do respeito - as mães que ousem vir rezar com o seu filho ao colo!
Pobres pequenos! consolai-vos! Jesus, o vosso amigo, também não é mais feliz: há muitos séculos que ele procura erguer a pedra do seu túmulo - e há muitos séculos que o seu clero carrega na pedra para baixo!