Uma Campanha Alegre/II/XXVII
XXVII
Julho 1875.
O Minho tem, sim, uma paisagem original, murmurosa e profunda. Mas Sua
Majestade conhecia o Minho e o encanto das suas sombras, e não é conjecturável que para se refazer dos tédios emolientes da sua capital, fosse buscar a Laundos ou a Bouças a fina flor das sensações. Aquela viagem não era um suave regalo, era um fatigante dever; e Sua Majestade ia, pelas monótonas exigências do seu cargo, examinar o estado das províncias, ver a sua civilização, a sua ordem, a sua vida na agricultura, nos estabelecimentos, nos costumes, na feição das ruas. Não nos parece, pois, coerente, que cada localidade — em lugar de se mostrar em toda a sua realidade e verdade — se disfarçasse, se embuçasse em murtas, louros, verdes, festões, alfazemas, de modo que
Sua Majestade poderia, perante aqueles aspectos folhosos, supor-se — não reinando sobre um país — mas governando um caramanchão!
Para honrar a presença do Rei e glorificá-la, lá estavam as multidões, o seu aspecto festivo e amorável, e as vivas glórias das aclamações. As colchas eram inúteis.
Não se desejava saber a opinião das colchas. Sua Majestade preferiria sempre um bom grito alegre que saúda, à fileira dos ramos secos que pendiam mesquinhamente na amarelidão da poeira. Detrás daquelas galas de arcos e de colchas, melancólicas como esqueletos de triunfo, ocultavam-se como um muro velho por trás de uma trepadeira florida, as casas sujas e velhas, as ruas latrinárias, a infecção das cadeias, o escuro desleixo dos quartéis, a negrura das tabernas, a imundície das repartições, a acumulação dos enxurros, a pobreza estagnada das lojas — e se Sua Majestade afastasse o ornato administrativo — encontraria a miséria pública!
Em compensação a localidade, mal chegava el-Rei, punha a mesa. Não o deixaram examinar, respirar, estudar, escovar o pó. Jante! E os proprietários arrastavam-no, debaixo do pálio, para a pesada pompa das merendas minhotas. Não lhe mostraram uma quinta, um estabelecimento agrícola, uma fábrica, um edifício, uma paisagem, uma obra de arte, uma ideia — mostravam-lhe silenciosamente a perna de vitela. Faziam-no viajar, de mesa em mesa, por entre uma paisagem de colchas. Os srs. proprietários não supuseram que Sua Majestade fosse um espírito, uma curiosidade, uma observação — supunham só que era um estômago: ele vinha, dobravam os negócios, e desdobravam a toalha.
A província do Minho, de grande e gordo alimento, supõe que Lisboa amarelada e débil não come. Àquele que chega de Lisboa apressa-se a gente estimável — a fartá-lo.
Com Sua Majestade o cuidado foi tão exaltado que lhe deram bois vivos. Algumas câmaras desejariam substituir a cerimónia gótica da entrega das chaves — pela entrega dos bifes. Porque todos, naquelas pitorescas vilas de remotas e decrépitas ideias, supu-nham que Sua Majestade não fazia uma viagem política, mas uma excursão alimentícia:
Na viagem memoranda e vitoriosa que Sua Majestade El-Rei fez às províncias do
Norte, as cidades e vilas observaram uma singular táctica: disfarçaram-se. Mal Sua
Majestade se avizinhava, as localidades cobriam-se, como de um dominó administrativo, de arcos de murta, bandeiras, festões, ramos de louro, colchas de damasco, dosséis de paninho, lanternas, e fumo de foguetes. A senhora localidade ficava assim escondida, despercebida, agachada, mascarada, trasvestida, sob a decoração de verduras fatigadas e de damascos desbotados. Ora as cidades e vilas deviam saber que
Sua Majestade não foi às províncias do Norte para se divertir! e que Sua Majestade, a respeito dos povos — não lhes queria o amor, queria-lhes o lombo. Além disso, muitos ingénuos daqueles lugares frondosos, querem ser barões; e supuseram que a melhor maneira de atrair a boa vontade de el-Rei, não era à custa de acções valiosas, mas a doses de carne assada. E tanto fizeram nesta recepção suculenta — que Sua Majestade poderá muito bem trazer esta ideia das suas províncias do Norte — que elas não são nem florescentes, nem decadentes — que são apenas indigestas. E invejam-se os Reis!
Quantas singularidades, nesta viagem, da parte das câmaras! Um pouco antes de
Vila do Conde — na estrada, à passagem do Rei, erguia-se este ornato: um palanque — um palanque! — com um mestre-escola cercado dos seus discípulos, funcionando.
Decoração inesperada! As escolas até aqui tinham sido quase tudo, desde enxovia até curral: só não tinham sido duas coisas — escolas e arcos de buxo.
Mas ei-las agora substituindo galhardamente, nas estradas armadas em gala, a coluna de lona do tempo de D. João VI! A câmara escolheu delicadamente a escola para enfeite: podia pôr ali uma filarmónica ou um mastro: preferiu a escola. A instrução torna-se festão de luxo; o ensino arma-se em quadro vivo! Que dizem os livros e os espíritos sentimentais que a escola é civilização, é paz, é futuro, e tantas sonoras imaginações! A escola é ornato municipal, é arrebique de festa, para armar as ruas, enfeitar os largos em vésperas de S. João e nos aniversários da Carta. É uma revelação, isto. A câmara tinha ali aquela escola, não lhe servia de nada, extinguia-se mesquinhamente a um canto, sob c lento bolor. Pois bem. Tira-se a escola da sua inércia, escova-se, arma-se sobre um palanque, põem-se os meninos em Posições estudiosas, arranja-se o mestre com gravidade pedagógica, põe-se-lhe rapé novo no nariz, enverniza-se a palmatória, espera-se; ao longe, na estrada, a poeira enovela-se: — é
El-Rei, sentido! Os trens rodam surdamente no macadame, já se vêem os bordados das fardas, ei-los! E como se poderia erguer nos tambores e nas trompas o hino — ergue-se nas bocas estudiosas o B-a-ba. Eis o ABC hino municipal! No dia seguinte os festejos murcham, desfazem-se os arcos, despregam-se as luminárias, desarma-se a escola — e tudo, lamparinas, livros, ensino e ramos de louro, volta a apodrecer nos sótãos da casa da câmara!
Achou-se enfim, às escolas, um fim, um destino, uma utilidade: ornatos de gala. E esperemos que na próxima viagem de El-Rei ao Norte, seguindo-se o exemplo inteligente de Vila do Conde — os jornais digam:
«A estrada de Penafiel a Amarante estava brilhantemente adornada de escolas primárias: de espaço a espaço, sobressaíam, com lindo efeito, liceus: havia ideia de pôr no topo a Universidade — mas este notável estabelecimento científico — não chegou a tempo!
Oh, terra do nosso berço!
No entanto os jornais sérios comentavam a viagem de el-Rei: e nas suas colunas circunspectas puderam-se ler, com sobressalto, estas linhas textuais e extraordinárias:
«Foi uma providência mandar para (nome da localidade, vimos Penafiel, Vila do
Conde, Vila Real, etc.) um regimento — por ocasião da passagem de Suas Majestades, porque se não poderia prever onde chegaria, sem a enérgica interferência da força pública, o entusiasmo das populações ao avistar a real família.»
E em Lisboa, tremíamos, com apreensões pungentes. Aquela palavra, cheia de prudência, fazia-nos suspeitar nas povoações do Minho — pavorosas espécies de entusiasmo. Para o reter marchavam providencialmente os regimentos e mordiam-se os cartuchos. Lembrava-nos aquele legendário rei mouro que, possuído de um amor sobrenatural pelo seu serralho, o mandou retalhar ao fio de alfange. Lembrava-nos o amor do leopardo, que nos meses magnéticos em que o seu pêlo faísca no fulvo ardor dos juncais, rasga e dilacera a fêmea. — Para que escondê-lo? Temíamos, sim, que pelo dizer dos jornais inteligentes — onde Sua Majestade fosse recebido apenas com agrado — ficasse apenas contuso. — Mas que nas povoações, onde o recebesse um entusiasmo exaltado... ah! receávamos ler, em notícias daí:
«Na nobre povoação de tal, o entusiasmo e a ovação cresceram ao entrar el-Rei sob o pálio. Os membros de Sua Majestade, dilacerados e espalhados em poças de sangue, pela estrada, testemunhavam o amor dos habitantes pelo neto de D. Pedro IV! O senhor infante D. Augusto, compreendido no amor do povo, teve também a sua parte de ovação e lá está — partido ao meio!»
Tais são os jornais sérios! Tal tu foste, Comércio do Porto, excelente folha sonolenta!
Folha de tédio, folha grave e oca,
Quem tão soturna, te espalhou na rua?
Aconteceu, pelas estradas que Sua Majestade percorreu, que, às vezes, saía ao caminho um homem de casaca ou uma mulher de branco; pedia ao Rei um instante de demora, desembrulhava um papel — e lia uma ode ou uma fala. Este procedimento, inaugurado no Minho, agora inocente, gracioso, singelo, pode tornar-se, com o tempo, fatal. Se Sua Majestade não se recusar a estas leituras de estrada, pode ver um dia o seu caminho ladeado de autores impacientes, repletos de manuscritos. O furor da publicidade desvaira. Tendo possibilidade de fazer parar o Rei, o seu séquito, o povo, e formar assim um público, o pensador da província salta à estrada, desdobra a prosa e acomete. Quem tiver um livro manuscrito, mete-o na algibeira, senta-se numa pedra, e espera a família real.
Ora não é justo que quem nas províncias tiver composto, em noites trabalhosas, uma peça literária, se julgue obrigado a não privar dela o Rei. A viagem de Sua
Majestade não é a edição gratuita dos poemas da província. O proprietário imprudente que tiver nutrido no seu seio uma ode, que a afogue, mas não saia com ela à estrada.
Saia antes com a clavina. El-Rei partiu confiado no amor dos seus povos, desprevenido; não deve encontrar à esquina de cada muro a face pálida de um poeta inédito. El-Rei julgava as estradas seguras. Quando muito podia supor que encontraria lobos. Vates, não.
A condescendência de Sua Majestade pode ser-lhe fatal. Quando vir despontar o sujeito inspirado, faça romper a galope. Não são de mais todas as forças de uma parelha
— contra todas as ameaças de uma ode!
Se consentir em parar, perde-se. Sua Majestade não sabe do que é capaz a poesia de província. — Começam suavemente pela ode, e terminam pelo volume. Sua
Majestade vai num plano inclinado com a sua imprudente bondade. Consentiu em ouvir uma fala de júbilo — terminará por ouvir um tratado de aritmética.
E ainda poderá acontecer que um dia, indo Sua Majestade incautamente, por uma estrada, recostado na sua caleche, veja surgir de um recanto um homem pálido, que estenda a mão e diga, lendo: Por uma bela tarde de Verão dois cavaleiros embuçados em capas alvadias, subiam a encosta alpestre do monte, discreteando de coisas de amor... Isto, real senhor, é o meu romance Isaura ou a Vingança do Mouro, em 3 volumes. Eu continuo!
Quando Sua Majestade chegou a Vila do Conde esperava-o uma pompa singular.
Era uma delicadeza da câmara. Estavam na estrada, formados em alas, respeitáveis —
160 bois!
Não queremos escandalizar o boi. Muito menos o boi do Minho. Este animal enorme, gordo, luzidio, atlético e meigo, é o melhor boi das criações de Portugal; poderoso trabalhador, carne tenra, riqueza dos prados, maravilha dos mercados de
Londres. Mas se estimamos o boi nas calorosas fadigas do arado; se o apreciamos na placidez das paisagens planas; se o contemplamos amoravelmente — destacando, no silêncio das sestas, entre as altas verduras ou no descorar do ocaso, quando já se eleva a quente exalação do prado e se começa a ouvir o canto dos sapos, e voam as borboletas pardas — movendo-se para o curral na fila mugidora e lenta; — se o amamos mais tarde — com mostarda e bordéus — ai! apreciamo-lo muito limitadamente — em alas. Em alas só soldados num aparato militar, irmãos do Santíssimo com tochas, ou renques de árvores na terna tristeza das alamedas. Bois, não. Para quê?
Senão, digam-nos: — Para que estavam ali? Em que qualidade? com que intenção?
Como bois, não. O boi está nos campos, ou no prato. Em alas nunca. Em que qualidade se perfilavam, esperando, na poeira da estrada? — Representavam como polícias, para conter em alas a multidão impaciente? Estavam como curiosos? — Porque então, sendo assim, evidentemente se abre uma época inesperada nos destinos do boi! Se eles podem policiar, à orla das estradas, à chegada de um cortejo, então, é talvez económico, conve-niente e seguro — que Lisboa e Porto substituam a polícia civil — pelo gado bovino. O boi é mais sólido, mais sóbrio, mais duradouro e sério que o polícia. Não seria o boi que levaria a sua tarde vigilante, em atitude namorada, diante da criada da esquina; não seria o boi que entraria no fumacento ruído da taberna, a parceirar com os homens do fado.
Não. Mas tinha inconvenientes. Seria o boi respeitado? Ah! é bem certo que se poderia ler nas gazetas aterradas: Ontem um bando de facínoras agarrou o policia º6, todo preto com malhas, e assou-o no espeto. Providências, sr. comissário!» — Ou ainda: «O Café
Centrai acaba de fazer aquisição do polícia nº20, castanho, e tem-no à disposição dos seus fregueses para ceias e almoços. Informam-nos ser da mais tenra a carne deste agente da força pública».
Por outro lado, se o boi estava ali como curioso, para ver o cortejo real, que revolução nos seus hábitos! O boi começa a atender às coisas da civilização. Interessa-se, interroga, examina, aprende. Ei-lo observador, leitor, espectador. E o boi que vai ver passar o Rei, leva-nos logicamente ao boi que vai ouvir cantar a Lúcia. Ei-lo nos teatros, sentado, com uma camélia na papeira, luva gris na pata, correndo o binóculo pelas gazes enganadoras do corpo de baile. Ei-lo cheio de impressões, de desejos, de vida social. Ei-lo no Grémio, ei-lo conversando de perna dada, com o Sr. Melício, na augusta sombra da arcada. Ei-lo nas locais: «Ontem foi pedida em casamento a filha mais velha da Sr.a Viscondessa de... por um dos mais elegantes e conhecidos bois da nossa sociedade. Parabéns aos noivos». Ou também: «Vimos ontem, um dos bois nossos amigos, com a sua gentil noiva, a condessinha de... passeando em Sintra nos Setiais. A gentil noiva, graciosa como sempre, estava de cor-de-rosa. Seu esposo, aquele boi tão elegante e tão crevé que nós todos conhecemos, hoje dado todo à família, ia junto da sua interessante esposa — pastando!»
Oh! bois!
Ah! se por acaso Sua Majestade El-Rei viajasse pela aldeia, numa digressão agrícola, a pé, seria pitoresco, de uma bela e nobre simplicidade, fazê-lo entrar nos prados, entre as possantes juntas de bois suados do trabalho. Mas numa estrada, numa viagem política, numa recepção oficial, os bois misturados com as autoridades, a anca do Ruço roçando a farda do Sr. Administrador, a cauda do Ligeiro fustigando a suíça do
Sr. Recebedor da Fazenda!... Dir-se-ia que os bois faziam parte da deputação da vila, e que, quando o Sr. Presidente da Câmara, na sua alocução, disse nós, se referia — às autoridades e ao gado: e certificava ao Rei que era bem recebido e querido — dos cidadãos e dos bois.
Se por acaso, porém, os bois estavam ali como ornato, arrebique, com a mesma intenção com que estariam arcos de buxo, parece-nos imprudente da parte de Vila do
Conde substituir as grinaldas de verdura — por animais de carne. E inconveniente adornar uma estrada com carne crua. Pode ser um funesto exemplo. A vila seguinte, querendo rivalizar em galas, pode adornar as ruas com carne cozida. E encetando-se estes festejos de carne, pode suceder, desastradamente, que no futuro, numa povoação exaltada — em lugar de atirarem a Sua Majestade flores, lhe atirem almôndegas!
A ovação tão espontânea, tão bela, feita a Sua Majestade no teatro do Porto, teve um singular final. Os mancebos elegantes, dizem os jornais, que, numa grande aclamação, acompanharam o carro de Sua Majestade — ao chegar ao Paço despiram as suas casacas pretas e estenderam-nas no chão, para El-Rei passar por cima.
Srs. mancebos, achamos equívoca esta demonstração! Os srs. mancebos costumam, aí no Porto, fazer às vezes essa estrada de casacas pretas aos pés mimosos de uma dançarina ou de uma contralto famosa: não era lógico que a repetissem a El-Rei.
Os entusiasmos políticos pelos reis devem diferir na essência dos delírios nervosos pelas actrizes. Numa ovação a uma dançarina há fantasia, exaltação, boémia, aparências de orgia, bebeu-se nos entreactos, tem-se os nervos impacientes, vem-se da luz do gás e do pó de arroz dos camarins, ha uma ponta exigente de amor, ela sorri, atira beijos, os seus olhos, gulosos de ruído, cintilam sob o capuz de cetim, rasga a luva em relíquias; grita-se, está-se febril, estroina, absurdo, e quando ela desce do carro, atira-se com o paletó, com o lenço, com a vida, por violência, petulância de sangue, desordem de sensações, como se atira, na cascalhada de uma orgia, com as garrafas de champanhe aos espelhos melancólicos do restaurante! Não é assim com Sua Majestade.
Vitoriar o Rei é uma afirmação política — não é uma estroinice ruidosa.
Consciências de cidadãos que se afirmam, não são bambochas de estudantes que estalam. Não é o cidadão que está ali quando um homem despe a sua casaca, para que a dançarina tal pouse o seu pé subtil: é o rapaz, o estroina, o doido, o amante: não é o cidadão. Quando um homem aclama o Rei — é o cidadão que está ali; não é o namorado, nem o diletante, nem o estroina. Ora despir assim a casaca pode ser natural no estroina, não é digno no cidadão!
Ou Sua Majestade é recebido como um Rei — isto é, uma política, um princípio, uma ideia, e então deve ser aplaudido com dignidade, convicção, seriedade: ou é recebido como uma dançarina famosa e então não se lhe apresenta o pálio — dá-se-lhe uma ceia na Foz, na Mary, com champanhe por copos de água, lorettes encomendadas e o bacará da madrugada.
Sua Majestade foi ao Porto ter a adesão dos cidadãos, e vendo as suas aclamações cerradas, as suas generosas alegrias, pôde julgar-se entre cidadãos honrados, de consciência séria, de auxílio seguro e forte, sólidas amizades para a sua dinastia. Mas, de repente, os sujeitos despem as casacas, como numa orgia — e Sua Majestade, que se supunha entre cidadãos, acha-se apenas entre pândegos! Ora Sua Majestade não viaja para recolher nas províncias a adesão da patuscada!
Os srs. mancebos não se lembraram que ao lado do Rei ia uma Senhora — e que não é uso em tais casos mostrar as mangas da camisa. Para se cumprimentar a Rainha, não se toma a atitude familiar com que se faz a barba. Se entre os senhores é máxima — que quanto mais estima menos roupa — pedimos-lhes em nome do decoro que não estimem El-Rei de mais. Já o amam até ficar em mangas de camisa, não vão apreciá-lo até ficarem em peúgas! E o pudor que o pede, mancebos! Vós ides na amizade real e na toilette por um declive. A liberdade não vos pede tanto. Parai, temerários. Deixai-vos ficar de calças!
E sobretudo, meus senhores, não se mostra a um Rei que ele tem vassalos que julgam a sua casaca mais bem acomodada nas lajes da rua, do que no próprio corpo.
Por Deus! Os senhores não festejavam o 9 de Julho, que os senhores chamam o dia da liberdade? Pois bem; não é próprio festejar a liberdade, com as maneiras da escravidão!
E, depois, uma consideração que há-de ferir os vossos espíritos, é que o pano preto está pela hora da morte! E que há pó, lama, sujidade na rua. E que podíeis arriscar-vos a que o dia 9 de Julho, não vos ficasse gravado no espírito pelas lembranças da liberdade — mas pelas nódoas da casaca. E seria terrível que o comentário desse dia não fosse a glória — fosse a benzina!
Acautelai-vos, filhos do Porto e do País.