Uma Campanha Alegre/II/XXXIV

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XXXIV

Outubro 1872.

Pouco temos a dizer-lhes, mas não queremos deixar de os felicitar pelo bom resultado das suas greves. Nem apreciamos menos a atitude que tiveram, cheia de um espírito fraternal, de uma moderação resoluta e daquela tranquilidade que é a melhor garantia de que se possui o direito.

Os senhores estão no seu momento histórico.

Nós outros, os que pertencemos ao terceiro estado, nós que ainda não há cem anos deixámos pela primeira vez de ajoelhar, quando falávamos na sala dos Estados gerais, diante do rei imutável e sagrado sob o seu dossel de arminhos; nós que ainda há pouco, na noite de 4 de Agosto, repelíamos para a arqueologia o privilégio aristocrático; nós que há apenas noventa anos estávamos ruminando tranquilamente a nossa autoridade no alto da cidade — ai está que nos pomos a descer lentamente — porque os senhores se aproximam!

O terceiro estado vai-se, o quarto estado vem!

E ainda há pouco em Espanha, o Sr. Martos, mi nistro dos estrangeiros, anunciava no congresso a sua chegada oficial, dizendo: a revolução de Setembro é o advento do quarto estado!

Mas os senhores foram mais felizes que nos. Nós levámos a alcançar a roupa branca independente, que hoje temos, alguns séculos de trabalho consciente! E os senhores, caloiros que sois. Ainda há trinta anos, em 1848, a presença do operário

Albert no Governo provisório era a primeira aparição muda e instintiva do vosso temeroso mundo. — Parece incrível! e estamos em 72, e já vamos descendo para a penumbra histórica, nós, os filhos de Robespierre!

Paciência. Vamos-lhes abandonando a terra. Resignemo-nos. Desçamos. Dá cá o braço, Melício!

Mas, senhores operários, não se regozijem excessivamente; que os senhores têm o seu dia, mas terão o seu fim; e já por trás dos senhores, que são o povo, nós vemos uma temerosa sombra que murmura e rosna — a populaça.

Enfim, senhores operários, no meio dos seus triunfos, algumas considerações queremos submeter à sua atenção. E a primeira é que não se devem os senhores julgar os mais oprimidos da cidade. Porque onde existe o empregado público, ninguém tem o alto da desgraça. E se a sua Fraternidade Operária os pode conter a eles, lamentáveis como o pó e como o pó abandonados, não terão os senhores reunido a si o verdadeiro proletário — o proletário burguês. — Os senhores falam do seu direito, reclamam-no com greves, conseguem-no com cotizações; mas a verdade é que muitos dos senhores não são desgraçados. Em Portugal as indústrias são quase todas privilegiadas, a importação

é grandemente limitada pela taxa das alfândegas, de tal sorte que a média dos senhores ganham 800 réis diários, e alguns 1$000 réis. E com isto os senhores vivem em casas baratíssimas, andam perfeitamente com a sua jaqueta, suas esposas trazem com muita graça as chitas simpáticas dos tempos simples, seus filhos vão aprender um ofício e ganham logo; — os senhores não têm visitas, nem teatros, nem convites, porque têm a vantagem da vida pobre; talvez não comam carne todos os dias, o que e um grande mal, mas muitos empregados públicos a não comem também. Agora acresce que eles, por exemplo, a classe infinita dos amanuenses, com os seus ordenados de 600 a 800 réis, têm de viver num andar da Baixa, de andarem eles, os filhos e as mulheres, vestidos com certa decência, de pano e de seda, têm de mandar os filhos aos colégios, e suportam

Srs. Operários: todas as desvantagens da sua posição oficial. Isto, em breves palavras, sem fazer o quadro mais minucioso e realista da vida de um empregado público — lhes fará compreender — que a pequena burguesia já está mais pobre que o proletariado: que ela, vivendo sob a pressão feroz da carestia dos alugueres, do alto preço dos géneros, da agiotagem — não pode todavia fazer greves — e que, por exemplo, um primeiro oficial de secretaria é mais pobre e bem mais proletário do que um operário pintor de carruagens, cujo salário pode elevar-se a 2$000 réis por dia.

É verdade que um pintor de carruagens é a excepção — mas o director-geral não é a regra.

Se além dos empregados públicos — o que lhes pode parecer uma aproximação humorística — os senhores se lembrarem das classes agrícolas e da miséria dos trabalhadores do campo, que são, como os senhores, proletários — e não sei se diremos que eles, criados na salutar educação da terra e da cultura, nos merecem mais simpatias que o proletário da cidade, que tem uma polidez de mau agoiro — verão que no fim de tudo, para além dos senhores, muita miséria existe calada — que deveria falar.

Outra coisa porém lhes pedimos com todo o empenho — é que estudem melhor as suas greves. Porque, tendo os patrões o meio de se desforrar do aumento do salário que os senhores lhes exigem, aumentando o preço por que vendem aos que consomem, não vão os senhores por excessivas greves causar um encarecimento geral; de tal sorte que suceda este facto impertinente: os senhores terem um vintém mais por dia no que ganham, e gastarem por dia um pataco mais no que consomem. Vejam que uma parte dos homens eminentes da Internacional, porventura os mais científicos, se estão opondo

às greves, as quais já deram em Inglaterra para os operários o resultado igual ao que tira um homem que lança ao ar uma pedra e ela lhe vem rachar a cabeça. Assim, por exemplo, os senhores chamam-se a Fraternidade Operária. Se são irmãos, não devem deixar na sua miséria atroz os seus irmãos que trabalham nos campos; mas se houver uma greve agrícola, os senhores, da cidade, têm imediatamente uma tal alta nos géneros de primeira necessidade, que não cobrirão com todas as greves industriais o desastre que lhes causou a greve agrícola. E esta, todavia, é de uma justiça irrecusável: somente arruína-os. Estudem, portanto, esta questão temerosa. Mas estudem-na. Não cantem um pouco de mais o fado. O fado é bom e bonito. Mas não é inteiramente à guitarra que os senhores hão-de conhecer a questão do salário; e olhem que essa questão envolve uma coisa positiva e nítida — a fome. Estudem, consultem os experientes, que residindo nos grandes centros industriais, têm a plena inteligência da lei económica das greves. Os senhores têm de chegar e de vencer. É uma lei histórica. Ninguém lho nega. A questão está toda no meio. Estudem-no bem — e pacificamente.

Outra coisa lhes pedimos, senhores operários: é que contenham certas tendências que os senhores vão mostrando para a literatura. Aparecem aqui e acolá, nos anúncios, prosas de operários que em termos poéticos e com muita retórica agradecem aos patrões, exprimem o seu direito, ou suscitam a sua opinião Os senhores não têm que fazer prosa. Prosa fazemo-la nós — e é mesmo essa uma das causas por que teremos de responder amargamente no dia do juízo social. Os senhores o que fazem é — produção e indústria. Se porém os senhores, sob a sua dignidade de operários, escondem apenas organizações de localistas — tenham a bondade de esperar aí um momento, que vamos buscar as bengalas.

Somos, srs. operários, fraternais amigos e antigos admiradores.