Uma Tragédia no Amazonas/IV
Enquanto tinham lugar na picada tão infandos acontecimentos, eis o que se passava em casa de Eustáquio.
O relógio redondo, que pendia da parede da sala de jantar, apresentando suas formas empoeiradas, apontava três horas da tarde.
A mulher do subdelegado e sua amada protegida, saindo da mesa, acompanharam o subdelegado, assentando-se em cadeiras perto da porteira do roseiral.
Se há espetáculo grandioso no interior do Brasil é a formação de uma tormenta. Ela é lenta mas transporta a alma, que parece deixar momentaneamente a terra.
Era uma dessas cenas que contemplavam.
O céu estava límpido, mas, de um instante para outro, começaram a aparecer grandes moles esféricas de nuvens, deslumbrantes de brancura, que nasciam detrás da montanha, tornando-lhe nítido o perfil verde escuro da crista, e subiam majestosamente ao encontro do sol que, declinando para o ocaso, as bordava de fulgente prata.
Já algumas chegavam ao zênite encobrindo o sol, já as mais baixas tomavam a cor de chumbo.
A aragem que soprava deixou de balouçar as folhas da mata e, na ocasião em que a natureza emudecia, rolou ao longe um trovão. Prenúncio da tempestade. Ela aí vinha.
Meia hora depois, uma tira de fogo zig-zagueou no espaço, seguiu-se um trovão, menos remoto que o primeiro, que percorreu o céu já todo negro.
— Vamos ter uma grande trovoada, observou Rosalina.
— Entremos, disse Eustáquio levantando-se.
Quando subiam os degraus da porta, grossas gotas d'água choveram e a emanação da terra se fez sentir.
A família acercou-se de uma janela e, até anoitecer acompanhou as peripécias da tormenta, que serenara um pouco.
Ainda todos estavam na janela no momento em que uma detonação na picada chegou-lhes aos ouvidos.
Era a hora em que deviam chegar os soldados.
— Um tiro! exclamou Branca, benzendo-se.
A orfãzinha a imitou e o subdelegado lhes disse:
— Ouviram? Um tiro! São os miseráveis que atacam os guardas. Vou socorrê-los!
E quis correr, mas a mulher o conteve, não sem custo, conseguindo persuadi-lo da sua imprudência. Logo depois ouviram fracos gritos de apelo.
— Pobres homens, disse surdamente Eustáquio.
Foi então que Rosalina que ficara na janela gritou:
— Vejam! olhem aqueles que correm em direção ao tiro!
— Meu Deus! murmurou a esposa dó subdelegado.
Realmente, por entre o mato distinguia-se alguns homens correndo para a picada.
Duas detonações seguiram-se, recaindo a noite no silêncio possível em uma tormenta.
A trovoada recrudescia e, minutos depois, chovia a jorros.
Entretanto, em uma estiada, como que perceberam todos um rumor longínquo, que vinha do lado do rio.
Sentiram o coração, termômetro dos terrores, latejar com força.
Realmente, nada é tão terrível a quem, na solidão, espera um perigo como escutar um ruído inexplicável.
Eustáquio e Ruperto tomaram duas espingardas e esperaram.
O rumor crescia e logo se pôde conhecer que provinha da carreira de alguém.
Tamanha era a escuridão que tornava impossível avistar-se cousa alguma a mais de quatro passos.
Eustáquio, como qualquer outro em iguais circunstâncias, perdeu-se em medonhas conjecturas.
Quando mais próximo pareceu-lhe o corredor, gritou:
— Onde vais, homem?
Por única resposta ouviu:
— Malditos! malditos!
E uma pistola veio cair-lhe aos pés.
— É um dos guardas, disse Ruperto que, a um relâmpago, conseguiu ver quem passava.
Era, na verdade, o soldado que o leitor viu louco e que, por acaso, seguira na sua furiosa carreira a direção da morada de Eustáquio.
O policial se perdera na negrura da noite quando Ruperto saiu para agarrá-lo, porque o subdelegado reconhecera a sua loucura.
Antes de o atingir, o escravo viu-o cair e estorcer-se, a luz rápida do fuzil, de um modo horrível, e quando chegou à eminência do terreno onde ele estava deitado, achou-o sem vida.
Fora a morte o resultado do veneno da cobra.
Tomando aos ombros o cadáver, Ruperto o levou para a casa onde foi depositado na sala.
Branca e Rosalina, não o querendo ver retiraram-se para o interior.
Gradualmente extinguiu-se a tempestade e as brisas da madrugada tocaram para leste as últimas brumas.