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Uma loureira/III

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Repito, e agora será a última vez, grande era a agitação em casa do comendador Nunes nesta noite de abril de 1860.

Luísa já estava vestida de ponto em branco e encostada à janela conversava com uma amiga que morava na vizinhança e costumava ir lá tomar chá com a família.

D. Feliciana, também preparada, dava as ordens convenientes para que o futuro genro recebesse uma boa impressão quando lá chegasse.

O comendador Nunes estava fora; o paquete do Norte havia chegado perto das ave-marias, e o comendador foi a bordo receber o viajante. Acompanhava-o Nicolau. Quanto a Pedrinho, travesso como um milhão de diabos, ora puxava o vestido da irmã, ora tocava tambor no chapéu do Vaz (pai da amiga de Luísa), ora surripiava um doce.

O sr. Vaz, a cada travessura do pequeno, ria com aquele riso amarelo de quem não acha graça nenhuma; e por duas vezes esteve tentado a dar-lhe um beliscão. Luísa não reparava no irmão, tão entretida estava nas suas confidências amorosas com a filha do Vaz.

— Mas você está disposta a casar com esse sujeito a quem não conhece? perguntava a filha do Vaz a Luísa, encostadas ambas à janela.

— Ora Chiquinha, você parece tola, respondia Luísa. Eu disse que casava, mas isso depende das circunstâncias. O Coutinho pode roer-me a corda como já roeu à Amélia, e não é bom ficar desprevenida. Além disso, pode ser que o Alberto me agrade mais.

— Mais do que o Coutinho?

— Sim.

— É impossível.

— Quem sabe? Eu gosto de Coutinho, mas estou certa de que ele não é a flor de todos os homens. Pode haver outros mais bonitos...

— Isso há, concordou maliciosamente a Chiquinha.

— Por exemplo, o Antonico.

Chiquinha fez um sinal afirmativo.

— Como vai ele?

— Está bom. Pediu-me uma trança de cabelos anteontem...

— Sim!

— E eu respondi que depois, quando estivesse mais certa de seu amor.

Neste ponto do diálogo, o Vaz que estava na sala fungou uma pitada. Luísa reparou que era feio deixá-lo só, e saíram ambas da janela.

Entretanto, a senhora D. Feliciana dera as últimas ordens e veio para a sala. Bateram sete horas, e o viajante não aparecia. A esposa do comendador Nunes estava ansiosa por ver o genro, e a futura noiva sentia uma coisa que se parecia com a curiosidade. Chiquinha fazia os seus cálculos.

— Se ela não o quiser, pensava esta dócil criatura, e se ele me agradar sacrifico o Antonico.

Vinte minutos depois houve um rumor na escada, e D. Feliciana correu ao patamar para receber o candidato.

Entraram efetivamente na sala os três personagens esperados, o Nunes, o filho e Alberto. Todos os olhos se cravaram neste, e durante dois minutos, ninguém viu mais ninguém na sala.

Alberto compreendeu facilmente que era objeto da atenção geral, e não se perturbou. Pelo contrário, subiram-lhe à cabeça uns fumos de soberba, e esta boa impressão lhe desatou a língua e deu livre curso aos cumprimentos.

Era um rapaz como qualquer outro. Apresentava-se bem, e não falava mal. Nada tinha em suas feições que fosse notável, exceto um certo modo de olhar quando alguém lhe falava, um certo ar de impaciência. Isto mesmo ninguém lho notou então, nem depois naquela casa.

Passaremos por alto as primeiras horas da conversa, que foram empregadas em narrar a viagem, a referir as notícias que mais ou menos podiam interessar às duas famílias.

As 10 horas vieram dizer que o chá estava na mesa, e não era chá, e sim uma esplêndida ceia preparada com o esmero dos grandes dias. Alberto deu o braço a D. Feliciana, que já estava cativa das maneiras dele, e todos se encaminharam para a sala de jantar.

A situação daquelas diferentes pessoas já estava muito modificada; a ceia acabou por estabelecer entre Alberto e os outros uma discreta familiaridade.

Entretanto, apesar da extrema amabilidade do rapaz, parecia que Luísa não estava contente. O comendador Nunes sondava com os olhos a fisionomia da filha, e estava inquieto por não ver nela o menor vestígio de alegria. Feliciana toda enlevada nos modos e palavras de Alberto não dera fé daquela circunstância, ao passo que Chiquinha, descobrindo no rosto de Luísa uns sinais de despeito, parecia alegrar-se com isto, e sorrir-lhe a idéia de sacrificar desta vez o Antonico.

Reparava nestas coisas o Alberto? Não. A preocupação principal do candidato, durante a ceia, era a ceia, e nada mais. Outras qualidades podiam faltar ao rapaz, mas uma já lhe notava o pai da Chiquinha: a voracidade.

Alberto era capaz de comer a ração de um regimento.

Vaz reparou nesta circunstância, como já tinha reparado em outras. Nem parece que o pai de Chiquinha viesse a este mundo para outra coisa. Tinha olho fino e língua afiada. Ninguém podia escapar ao seu terrível binóculo.

Alberto tinha deixado a mala em um hotel onde alugou sala e quarto. O comendador, não desejando que o rapaz se sacrificasse mais aquela noite, que pedia descanso, pediu a Alberto que não fizesse cerimônia, e apenas julgasse que eram horas se fosse embora.

Alberto, entretanto, parecia disposto a não usar tão cedo da faculdade que lhe dava Nunes. Amável, conversado e prendado, o nosso Alberto entreteve a família até muito tarde; mas por fim saiu, com grande pena de D. Feliciana e grande satisfação de Luísa.

Por que motivo esta satisfação? Tal era a pergunta que a si mesmo fazia o comendador quando Alberto se retirara.

— Sabes que mais, Feliciana? disse o Nunes apenas se achou no quarto com a mulher, creio que a rapariga não simpatizou com o Alberto.

— Não?

— Não tirei os olhos dela, e posso afiançar que parecia extremamente aborrecida.

— Pode ser, observou D. Feliciana, mas isso não é uma razão.

— Não é?

— Não é.

Nunes abanou a cabeça.

— Raras vezes se pode vir a gostar de uma pessoa de que se não gostou logo, disse ele sentenciosamente.

— Oh! isso não! respondeu logo a mulher, também eu quando te vi antipatizei solenemente contigo, e entretanto...

— Sim, mas isso é raro.

— Menos do que pensas.

Houve um silêncio.

— E contudo este casamento era muito do meu agrado, suspirou o marido.

— Deixa estar que eu arranjo tudo.

Com estas palavras de D. Feliciana terminou a conversa.