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Veio ao Espírito Santo

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1Veio ao Espírito Santo
da Ilha da Madeira Alz.
um Escudeiro Gonçalves
mais pobretão, que outro tanto:
e topando a cada canto
as Tapuias do lugar
havendo uma de tomar
para a bainha da espada,
tomou Vitória agradada,
que então lhe soube agradar.

2A tal era uma Tapuia
grossa como uma jibóia,
que roncava de tipóia,
e manducava de cuia:
tocando ela a Aleluia,
tirava ele a culumbrina
com tal estrago, e ruína,
que chegando a conjuncão
lhe encaixou a opilação
por entre as vias da urina.

3Pariu a seu tempo um cuco,
um monstro (digo) inumano,
que no bico era tucano
e no sangue mamaluco:
mas não tendo bazaruco,
com que faça o batizado
lhe assistiu sem ser rogado
um troço de fidalguia
pedestre cavalaria
toda de beiço furado.

4O Cura, que não curou
de buscar no Calendário
nome de Santo ordinário,
por Antônio o batizou:
tanto o colonim mamou,
e tais forças tomou, que
antes de se pôr de pé,
e antes de estar já de vez,
não falava o português,
mas dizia o seu cobé.

5Cansado de ver a Avoa
co'as cuias à dependura,
tratou de buscar ventura,
e embarcou numa canoa:
vindo aportar a Lisboa,
presumiu de fidalguia,
cuidou, que era outra Bahia,
onde basta a presunção
para fazer-se a um cristão
muchíssima cortesia.

6Casou com uma rascoa,
que por ele ardia em chamas,
e era criada das Damas
da Rainha de Lisboa:
era uma grande pessoa,
porque tinha um cartapácio,
onde estudava de espácio
todo o primor cortesão,
que até um sujo esfregão
cheira a primor em Palácio.

7Nasceu deste matrimônio
um Anjo, digo, um Marmanjo,
que era no simples um Anjo,
e no maligno um demônio:
deram-lhe por nome Antônio;
oh se o Santo tal cuidara!
creio eu, que se irritara
o grande Português tanto,
que deixara de ser Santo,
e o nome lhe não sujara.

8Este pois por exaltar-se
veio reger a Bahia:
que bom governo faria,
quem não sabe governar-se!
se ele quisera enforcar-se
pelos que enforcar fazia,
que bom dia nos daria!
mas ele tão mal se salva,
que quando dava a mão alva
então tomava o bom dia.

9O Ministro há de ser são,
justo, e não desobrigado,
há de ter ódio ao pecado,
e ao pecador compaixão:
que se tem má propensão,
faz justiça, mas com vício,
e se maior malefício
tem, e pode condenar-me,
livre-me Deus de julgar-me
oficial do meu ofício.

10Que, porque furto, o que coma,
me enforquem, pode passar,
mas que me mande enforcar
a bengala de um Sodoma!
quem sofrerá, que Mafoma
me queime por mau cristão,
vendo, que Mafoma é cão,
velhaco, e de suja alparca,
e o mais torpe heresiarca,
que houve entre os filhos de Adão.

11Quem na terra sofreria,
que o fedor de um ataúde
com bioco de virtude
disfarçasse a Sodomia?
e de feito em cada dia
desse ao povo um enforcado,
e que de puro malvado
desse esse dia um banquete,
e alegrasse o seu bofete
com bom vinho, e bom bocado?

12O bem, que os mais bens encerra,
e as glórias todas contém,
é reinar, quem reina bem,
pois figura a Deus na terra:
eu cuido, que o mundo erra
nesta alta reputação,
que se o Rei erra uma ação,
paga a seu alto atributo
um tristíssimo tributo,
e misérrima pensão.

13O Príncipe soberano
bom cristão temente a Deus,
se o não socorrem aos céus,
pensões paga ao ser humano:
está sujeito ao tirano,
que adulando ambicioso
é áspide venenoso,
que achacando-lhe os sentidos,
turbado o deixa de ouvidos,
de olhos o deixa ludoso.

14Se fosse El-Rei informado,
de quem o Tucano era,
nunca à Bahia viera
governar um povo honrado:
mas foi El-Rei enganado,
e eu com o povo o paguei,
que é já costume, e já lei
dos reinos sem intervalo,
que pague o triste vassalo
os desacertos de um Rei.

15Pagamos, que um figurilha
corcova de canastrão
com nariz de rebecão
em cara de bandurrilha,
descompusesse a quadrilha
dos homens mais bem nascidos,
e que dos mal procedidos
tal estimação fizesse,
que honras, e postos lhes desse
por lhe encherem os ouvidos.

16Pagamos ver esta Hiena,
que com a voz nos engana,
pois fala como putana,
e como fera condena:
que uma terra tão amena,
tão fértil, e fão fecunda
a tornasse tão imunda
falta de saúde, e pão;
mas foi força, que tal mão peste,
e fome nos infunda.

17Pagamos que um homem bronco
racional como um calhau,
mamaluco em quarto grau,
e maligno desde o tronco:
apenas se dá um ronco,
em briga apenas se fala,
quando os sargentos a escala
prendem com descortesia
aos honrados na enxovia,
todo o patifão na sala.

18Pagamos, que um Sodomita,
porque o seu vício dissesse,
todo o homem aborrecesse,
que com mulheres coabita:
e porque ninguém lhe quita
ser um vigário-geral
com pretexto paternal,
aos filhos, e aos criados
tenha sempre aferrolhados
para o pecado mortal.

19Pagamos, que o tal jumento
isento de mãos guadunhas
não furtasse pelas unhas,
senão por consentimento:
e que os quatro vezes cento,
que se vieram trazer
ao seu capitão mulher,
porque o pão suba mais dez,
não foi furto, que ele fez,
mas deu jeito a se fazer.

20Pagamos ver o Prelado,
que se peca, é de prudente,
dos serventes de um agente
descortesmente ultrajado:
o sobrinho amortalhado
com tão fidalgos brasões
pela Puta dos calções,
que fiado em ser valido
fez do sangue esclarecido
tão lastimosos borrões.

21Pagamos com dor interna,
que nos passos da Paixão
tão devoto é da prisão,
que quer levar a lenterna:
se entende, que a glória eterna
prendendo há de merecer,
fora melhor entender,
que o céu lhe dá mais ganhado,
não dormir-se co criado,
que desvelar-se em prender.

22Pagamos vê-lo esperar,
e estar com expectativas
de ser Conde das Maldivas
por serviços de enforcar:
e como mandou tirar
um rol dos quatro maraus,
que enforcou por vaganaus,
cuidei (assim Deus me valha)
que entre os Condes da baralha
fosse ele o Conde de paus.

23Porém Sua Majestade,
Qual Príncipe Soberano,
que não se indigna de humano
sem dano da dignidade:
conhecida esta verdade,
que é verdade conhecida,
fará justiça cumprida,
para que se lhe agradeça,
que o mau na própria cabeça
traga a justiça aprendida.

24E porque nós de antemão
a seus favores mostremos,
quanto lhos agradecemos,
lhe agradecemos D. João:
era justo, era razão,
conforme o direito e lei,
quando o Rei dá Juiz a Grei,
outro em seu lugar dispor,
que seja o Governador
tão fidalgo como El-Rei.