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Viagem ao norte do Brasil/Adendum

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ADDENDUM.


Congratulação á França pela chegada dos Padres Capuchinhos á nova India da America Meridional do Brazil.

Grande reino, e povo francez, tens razão de louvar a Deos: Christianissimo Reinado, de dia para dia crescem tuas alegrias, dando sempre de ti boas novidades: sól dos reinos, flor dos povos do Universo, és notavel por todas as maneiras.

Por tua antiguidade na fé catholica, religião christã, devoção aos altares divinos, e fervor em ouvir a palavra de Deos.

Pelo amor e dedicação a teo Principe natural, por tua honesta sinceridade, ou sincera franqueza, na conversação, qualidades, que nenhuma outra nação possue como tu.

Esplendido, magnifico, e magnanimo reino sobre todos os reinos da terra.

Pela magestade da tua corôa, a bella e antiga serie de teos monarchas até o numero de sessenta e quatro Reis, dos quaes foram uns Imperadores, outros Santos canonisados no Ceo: e tambem pelo valor e proezas na guerra, praticada por tua gente valerosa, liberal nobresa de gravata branca como leite.

Pela sapiencia de tuas universidades em todas as especies de sciencias e faculdades, pela amplidão de teos magistrados, pela prudencia de teos respeitaveis parlamentos, pela serenidade de teos conselhos, e pelas bellas leis de tua politica.

Que digo eu?

Povo sabio, intelligente, grande nação, illustre reino, ceo estrellado de tão bellos espiritos delicados, parabens: és na verdade maravilhosamente illustre!

Pela multidão de tantos prelados veneraveis, grandes bispos, ricos abbades, e chefes de ordens.

Pelo crescido numero de tantos homens santos, notaveis pela bondade, famosos pela sciencia, e nobres pela progenie, illustres pelos milagres que hão florescido e brilhado dentro e fora dos teos mosteiros.

Pela tua posição entre dois grandes mares, onde por meio de teos dois braços exerces piedade e justiça em villas tão grandes e bellas, ricas, afamadas e populosas, n’um paiz tão abundante, e em provincias tão amplas e copiosas, e em tão grande numero.

O que te falta para chegares ao cumulo de tua felicidade?

O que pode accrescentar-se ao ramalhete de teos louvores, á grinalda de tuas honras, á corôa de tuas glorias, tecida em ternario, symbolisado pelos teos tres lyzes, em campo de oiro, a não ser que hoje enriquecido pelo Rei Luiz, o rei dos lyzes, alcances, sob sua authoridade, o cheiro de Jesus no Ceo, e ao longe a salvação dos povos selvagens mergulhados em trevas, e nas sombras da morte d’infidelidade, de incivilidade, e de barbaridade.

Foste por Deos escolhido para tão grande honra, satisfação e alegria para levar ahi, o suave nome do Redemptor, estabelecer o imperial sceptro de sua cruz triumphante, signal sagrado, signal do Filho do Homem, e estandarte do grande rei dos reis, sob o qual se devem reunir todos os povos, que se desejam salvar, e então ahi semear a boa nova do seo Evangelho, salvador dos crentes.

Outr’ora até o occidente buscando para o meio-dia pelo grande Carlos Magno, com a sua espada de ferro, mostraste o teu valor contra os serracenos, importunos á Hespanha.

Até ao oriente pelo grande São Luiz, uma, duas vezes, fizeste sentir á impiedade turca, a força de teo braço, e erguido na Palestina, esse bello estandarte da Santa Cruz por um duque de Boillon, por um duque de Mercœur, e um duque de Nevers.

Tremeram ao ouvir o nome da França, tão fatal a elles, a quem mostraste tua coragem com o cutello na mão.

Mas agora — Nova bella eligit Dominus, Clypeus, et hasta si apparuerint, novas guerras, conquistas impertinentes, escudos e lanças, ahi se verão? Nada d’isto, e sim a Cruz de Jesus, o altar do grande rei, exercitos com seu augustissimo Missah, espada de Deos e de Gedeon, d’aquelle que é Deos e homem ao mesmo tempo, agoa benta para expellir os diabos, a conquista dos corações antropophagos ou comedores de homens pelo meio simples da palavra de Deos, que fará despil-os de crueldade, e de então em diante amarem o proximo como a si mesmo, abandonarem a imprudencia e o impudor, revestirem-se com o branco da innocencia e da honestidade: oh! quanta brutalidade adquirirá o uso da razão, e tu, ó França, foste escolhida para fazer tal guerra? Em tua consciencia, dize-me, não é esta uma guerra, com sceptro de liz, de rosas e de flores?

Quem ouvio jamais coisas similhantes nas batalhas do mundo? porem estas são guerras do amantissimo Jesus.

Nada mais te falta agora depois dos teos combates de outras eras, senão o alegrar-te de plantar a fé e a lei entre gente de ferozes costumes, e de barbaros feitos, porem mui facil em supportar o jugo do teu humano concurso, o que não tem podido conseguir o soberbo ou rustico portuguez.

Regosija-te pois, principe dos lyzes, por ser a tua maior gloria o servir ao grande Rei do Ceo e da terra, de legado e de embaixada de suas maravilhas e grandezas em ilhas remotas, e em partes longinquas da Região Austral.

Esta sabia Princesa christianissima, muito catholica, e de magnanima coragem, qual outra Judith, nossa grande rainha, a Regente nossa senhora fez esta exigencia por cartas dirigidas aos Reverendissimos Padres Superiores dos Capuchinhos da provincia de França, e de Pariz, seos humildes servos.

Reuniram-se em capitulo para conceder ao Sr. de Rasily, loco-tenente-general de Sua Magestade n’aquellas terras tão remotas um certo numero de religiosos, que deviam ser consagrados á uma empresa tão sancta como perigosa.

Sendo este desejo acolhido livremente, em lugar de quatro, que hoje lá se acham como exploradores da terra, todos quatro sacerdotes e prégadores, o padre Ivo d’Evreux, o padre Claudio d’Abbeville, o padre Ambrosio de Amiens, o padre Arsenio de Paris, todos em numero de cincoenta e quatro, presentes ao capitulo, se inscreveram e offereceram-se cordialmente para arriscar sua vida, tão nobremente, afim de salvar esses pobres pagés, esses pobres selvagens, esses infelizes atormentados pela tempestade do diabo sem consolador e sem pae.

Ainda agora, para maior gloria do Salvador, foi a narração augmentada por tres pares de cartas, mais recentes do que as precedentes. Narram ellas a sua partida, a sua navegação, ora calma, ora tempestuosa, a sua feliz chegada, e tantos beneficios, que Sua Magestade, por intermedio d’elles, tem já feito, e com taes particularidades, como nunca se vio impresso.

Lêde pois.

Mas antes d’isto, para que o Deista, o Censor mundano, e o zombador heretico não se ria de projectos tão honrosos, vindos do Ceo, convem saber-se, que ha longo tempo fôra tudo isto prophetisado por santos inspirados pelo Espirito Santo.

Disse o Propheta Isaias — propter hoc in doctrinis glorificate Dominum, in insulis maris nomen Domini Dei Israel: pelo que eu fizer no meio da terra glorificae o Senhor por doutrinas, pregae essas doutrinas por todas as ilhas do mar, annunciae, e glorificae o nome do Senhor, Deos d’Israel.

Alem d’isso, eis meo Salvador, eu o unirei a mim, meo escolhido, minha alma n’elle se completa e elle dará juiso aos gentios etc. etc.

E as ilhas esperaram attentas a lei, e eu t’a daria em alliança do povo como luz aos gentios afim de abrires os olhos aos cegos, e tirares os prisioneiros dos calabouços, das prisões e das densas trevas.

Louvae ao Senhor por meio de canticos por toda a terra, mares, ilhas, e seos habitantes — ponent Domino gloriam et laudem ejus in insulis numciabunt: glorificarão ao Senhor e o louvarão nas ilhas.

Prophetisa o mesmo, que ellas receberão sua lei: meo Justo está perto, sahio meo Salvador (Deos é o Pae) meos braços julgarão os povos, as ilhas me esperarão e sustentarão meo braço, isto é, receberão meo filho.

N’outro lugar fallando á sua igreja, que é a Romana (n’outra taes factos nunca appareceram) diz — por que as ilhas me esperam, e no começo os navios do mar, para que eu conduza teos filhos de bem longe.

No Capitulo 66 Deos disse pelo mesmo Propheta:

«Porei n’elles o signal, mandarei os que ja se salvaram aos gentios no mar, na Africa, em Lidia que atiram a flecha, á Italia, a Grecia e as ilhas longinquas, aos que não ouvirão fallar de mim e não presenciarão minha gloria, e elles annunciarão minha gloria aos gentios, e os conduzirão como dadiva ou offerenda ao Senhor, ricos presentes e perolas preciosas a Deos.»

O propheta Sophonias:

«Os homens illustres o adorarão em qualquer parte e em todas as ilhas dos gentios.»

O grande inspirador dos Prophetas por seo Espirito, Jesus Christo tambem disse e prophetisou taes coisas.

E este Evangelho do Reino será prégado pelo Universo, como testemunho a todos os gentios, e então virá a consummação do Mundo.

Nós outros catholicos devemos sentir grande alegria vendo cumprir-se todos os dias a palavra de Deos tão fielmente, não por meio de uma Assembléa reunida com tal fim, e sim pela Santa Igreja Romana, e deve em particular este grande reino agradecer a Deos por d’elle servir-se para levar tão longe a gloria dos seos tropheos.

O seguinte trecho vos convencerá d’esta verdade, extrahida de quatro cartas, que d’aquelle paiz escreveo o Padre Arsenio, um dos quatro, a saber, uma ao Revd. Padre Commissario Provincial, uma ao Revd. Padre Custodio da custodia de Pariz, uma ao Revd. Padre Vigario de Pariz, e uma a seo irmão, todas datadas em 27 de Agosto, e dizendo mais que a sua quarta carta de 20. Outra carta do Revd. Padre Claudio a seos dois irmãos, o Sr. Foulon, e o Padre Marçal,[NCH 110] e uma para dois Padres já mencionados, escripta ao Sr. Fermanet, e para vos ser agradavel e não repetir as mesmas, foi tudo reunido n’uma só carta, como vereis, mui fielmente, e com suas proprias palavras.

Lêde em nome de Deos.

Fidelissima narração, extrahida de seis pares de cartas dos Revds. Padres Claudio d’Abbeville e Arsenio, Prégadores Capuchinhos, escriptas aos Padres da sua Ordem de Pariz, e a outras pessoas do seculo, sendo quatro do Revd. Padre Arsenio, uma do Padre Claudio, e uma para duas pessoas.

Meos Reverendos e carissimos Padres. — A paz do Senhor seja comvosco. Nós vos dirigimos esta pequena carta para dar-vos noticias acerca da nossa viagem, e como chegamos, mercê de Deos, felizmente a esta terra do Brazil na Ilha do Maranhão, entre os povos Tupinambás, não sem grandes fadigas.

Cinco mezes estivemos no mar soffrendo encommodos, que só podem avaliar os que por elles já passaram, e como o Sr. de Rasilly, por estes dois ou tres mezes, regressa á França afim de trazer-nos novos auxilios, reservamos-nos para n’essa occasião descrevermos mais amplamente o resultado da nossa viagem, tanto no mar como em terra, n’este novo Mundo.

Aproveitamos agora a occasião para dizer-vos e muito ás pressas, que para aqui chegarmos foi necessario partir de Caucale, porto da Bretanha, e já estando d’elle distante dusentas legoas do mar levantou-se grande tempestade, que separou os nossos tres navios, uns dos outros, causando admiração, até mesmo aos nossos melhores pilotos, o não ter algum d’elles naufragado.

Quiz Deos porem livrar-nos d’esta desgraça, e encontramos dois de nossos navios, arribados em Inglaterra, d’onde vos escrevemos, e creio que já estareis de posse das nossas cartas.

Na segunda-feira de Paschoa partimos de Plymouth,[NCH 111] na Inglaterra, e navegamos sempre com bom tempo, menos alguns dias na costa de Guiné, mui perigosa pelas molestias do paiz.

Sahindo de Plymouth auxiliou-nos vento tão favoravel, que em pouco tempo passamos as Ilhas Canarias, por entre as ilhas Boa Ventura e Canaria grande, vistas por nós perfeitamente.

Das Canarias ganhamos a Costa d’Africa no Cabo do Bajador, sempre navegando pela Barbaria: de Bajador desviamos-nos da Costa d’Africa até o rio chamado Lore pelos hespanhoes,[NCH 112] e perto d’elle fundeamos: sahindo d’ahi ainda nos desviamos da Costa d’Africa até o Cabo branco, lugar bem debaixo do tropico de Cancer.

D’este Cabo procuramos a Costa de Guiné, passando entre as ilhas do Cabo verde, o proprio Cabo verde lugar perigosissimo pelas molestias contagiosas, ahi reinantes em certas estações do anno: esta molestia ataca as gengivas de tal sorte, que a carne cobre os dentes, e os faz cahir com grande perda de sangue a ponto de não se poder estancar, sobrevindo tambem os encommodos de estomago e inchação, e d’isto tudo resulta a morte escapando poucos: mercê de Deos ninguem morreo durante a nossa viagem, porem apenas entramos na terra, falleceram tres, e ahi ficaram sepultados.

De Guiné viemos-nos aproximando da linha equinoccial, que passamos bem difficilmente, coisa ja por nós esperada á vista da estação em que estavamos.

Soprou vento contrario por quinze dias causando-nos grandes sustos, e receios de que não apparecessem calmarias antes de passarmos a linha: graças a Deos, pouco a pouco, embora o vento contrario, tanto bordo demos, que quando mal pensamos, estavamos no hemispherio do meio dia.

Passando a linha, avistamos e afinal chegamos a uma pequena ilha chamada Fernando de la Roque,[NCH 113] situada a quatro graus de altura para o meio dia, e a cinco para seis legoas de circumferencia, ilha bella e agradavel, cujas propriedades, querendo Deos, havemos de descrever na primeira opportunidade: é na verdade um verdadeiro paraisosinho terreste.

Saltamos n’esta ilha, onde apenas achamos 17 ou 18 indios selvagens, em companhia de um portuguez, todos escravos e ahi postos por determinação da gente de Pernambuco: d’estes indios baptisamos cinco.

Depois de havermos plantado a Cruz n’esta ilha, no centro de uma capella, feita por nós para celebração da santa missa, e de abençoado o logar onde residimos por 15 dias, casamos dois destes selvagens, um indio com uma india, depois de baptisados.

Não quizemos baptisar o resto aqui, porem achamos bom addiar o baptismo até chegarmos ao lugar do nosso destino, si bem que libertassemos todos esses selvagens tirando-os do captiveiro, e fazendo-os livres com muita satisfação d’elles, depois do que manifestaram ardente desejo de nos acompanharem até Maranhão, como de facto aconteceo.

Vieram comnosco trazendo muito algodão, e outros generos, que possuiam.

De Fernando de la Roque ganhamos a Costa do Brasil, caminhando até o cabo da tartaruga, terra firme no paiz dos canibaes, onde, diz Euzebio, na sua Historia, passara o Apostolo Sam Matheus á vista d’esta Costa do Brasil: imaginae a nossa alegria vendo terras tão desejadas após cinco mezes de navegação.

Depois de 15 dias de demora no cabo das tartarugas, continuamos a navegar, e chegamos á ilha do Maranhão, onde fundeamos no dia da gloriosa Santa Anna, Mãe da Sagrada Virgem Maria, com que muito me alegrei, (disse o padre Claudio) por termos tido n’esse dia, que eu tanto amo, a felicidade de chegarmos ao lugar tão desejado.

No domingo seguinte saltamos todos em terra, levando agoa benta, cantando o Te-Deum laudamus, o Veni Creator, a ladainha de Nossa Senhora, e depois caminhamos em procissão desde o porto atê ao lugar escolhido para levantar se uma Cruz, a qual foi carregada pelo Sr. de Rasilly e todos os Principaes da nossa Companhia.

Depois de benzida esta ilha, até então Ilhasinha, foi pelos Srs. de Rasilly e la Ravardière chamada Ilha de Santa Anna, não só por termos ahi chegado n’esse dia, como tambem porque chamava-se Anna a Condessa de Soissons, parenta do Sr. de Rasilly.[NCH 114]

Depois plantamos a Cruz: ao pé d’ella, estando todo o largo abençoado, enterramos um pobre homem, tanoeiro, que vinha comnosco.

Fêz-se tudo isto com geral contentamento e demoramo-nos ahi oito dias.

Deixamos esta pequena ilha e fomos procurar a ilha grande do Maranhão, habitada por selvagens (que são as pedras preciosas que cobiçamos) e graças a Deos chegamos bons e bem dispostos.

Vestidos com os nossos habitos de sarja fina por causa do calor da zona tórrida e revestidos de uma bonita sobrepelliz branca, empunhando nossos bastões, e em cima de tudo a Cruz com o Crucificado, descemos do navio para uma canôa, especie de batel construido pelos indios de um só tronco de pau, onde estavam todos os selvagens, que ja tinham estado na praia com o Sr. de Rasilly, e muitos francezes ja dos que vieram comnosco e ja dos pertencentes á equipagem do Sr. de Manoir, e do Capitão Geraldo, todos francezes, que aqui achamos: muitos d’estes selvagens atiraram-se ao mar e nadaram afim de chegarem primeiro do que nós.

Assim conduzidos saltamos em terra, onde se ajoelhou o Sr. de Rasilly e todos os francezes para nos receberem (honra não commum) e como nos achassemos embaraçados com tal sorpresa, eu tive (disse o padre Claudio) a feliz lembrança de entoar o Te-Deum laudamus conforme o cantico da igreja, e assim caminhamos em procissão entre lagrymas de alegria de muitos francezes, e seguidos pelos indios.

Assim tomamos posse d’esta terra e novo mundo para Jesus Christo, e em seo nome, esperando abençôar o lugar, e n’elle plantar a Cruz em qualquer dia para isso designado.

Deixo as outras particularidades para contar-vos quando escrever mais de espaço sobre esta nossa viagem.

Somente vos digo que no domingo 12 de agosto, dia de Santa Clara, celebramos todos quatro as primeiras missas, que aqui se disseram.

Com bem razão ordenou Deos que o dia de uma Santa Virgem da nossa Ordem, que deo nova luz ao mundo, fosse escolhido para fazer brilhar a nova luz do seo Evangelho n’este novo mundo.

Não é possivel descrever-vos o grande contentamento, que mostraram estes pobres selvagens com a nossa vinda.

É um povo conquistado e ganhado, povo grande, que na verdade nos ama, e nos dedica affeição, e chama-nos grandes prophetas de Deos e de Tupan, e em sua linguagem padres Carribain, Matarata.[NCH 115]

Depois que aqui chegamos temos tido muito boas noticias.

Os indios do Pará, outro povo, de um lado visinho do Amazonas, e do outro d’este povo, onde existem somente cem mil homens, desejam muito que lá vamos instruil-os.

Embora messis multa, operarii autem pauci «seja grande a colheita, são poucos os operarios.» Si quizessemos desde ja se baptisaria grande parte.

É certo que «regiones albescunt ad messem,» estas regiões aqui enbranquecem mostrando a necessidade de ceifa, felizmente chegou o tempo de ser Deos aqui adorado e reconhecido.

Agora estamos procurando lugar para nos acommodar e fazer uma Capella, até que cheguem de França pedreiros para edificarem uma Igreja.

Existem muitas mattas virgens, que convem arrotear antes.

Não posso descrever-vos agora o grande contentamento dos selvagens pela nossa chegada.

Dão-nos boa esperança de se converterem. Todo este povo ainda que bruto e selvagem mostrou-se contente com a nossa chegada, tem vindo vêr-nos com muita alegria, manifestando grande desejo de instruir-se no christianismo.

Creio que quando soubermos a lingua d’elles haverá muito que colher, com grande satisfação para os que tem zelo pelas coisas de Deos e pela salvação das almas.

Preparam todos os seos filhos para nos trazerem afim de serem por nós instruidos, e ja nos prometteram não mais comer carne humana. São muito bonachãos, e não maliciosos. Por unica religião apenas creem em Deos, que chamam Tupan, e na immortalidade da alma.

Quanto ao paiz é terra fertil e muito boa, onde não ha frio, e sim estio constante; ninguem conhece o que é frio, e as arvores estão sempre verdes.

Os dias e as noites são sempre do mesmo tamanho: nasce o sol as 6 horas da manhã e encerra-se as 6 da tarde.

Estamos apenas a dois graos e meio da linha equinoccial ou do Equador.

É voz geral haver n’este paiz muitas riquezas, como sejam minas de oiro, de pedras preciosas, de perolas, de ambar-gris, alem de muitas pimenteiras, muito algodão, muita herva da rainha, ou petum, e muito assucar.

Brevemente, quando nos estabelecermos bem, nós vos asseguramos ser isto aqui um pequeno paraiso terreste, com todas as commodidades e alegrias.

Não posso ir mais longe: fica o resto para quando fôr o Sr. de Rasilly, e então hei-de dizer-vos outras coisas em particular.

Quanto a minha saude nunca passei tão bem como agora, graças a Deos e só bebendo agoa, (palavras do padre Claudio.)

Si na França me fosse preciso fazer a millesima parte do que aqui faço, mil vezes teria morrido, e n’isto reconheço, que non in solo pane vivit homo, «o homem não vive só de pão.»

Convem que para cá venham os delicados de França.

Louvo a Deos por nunca ter enjoado, com grande admiração de todos.

Quando chegamos no paiz dos calores, justamente quando estavamos sob o tropico de Cancer, quando o sol estava subindo, tive apenas dois ou tres pequenos accessos de febre passageira, graças a Deos.

Deixo o mais para outra occasião, pois agora falta-nos tempo, e sobram-nos trabalhos.

Rogae a Deos por nós, e pelos nossos companheiros, o mais que poderdes, pois agora, mais do que nunca necessitamos da graça de Deos, sem as quaes nada se consegue.

O que n’este sentido fizerdes, Deos vos compensará.


Summario de algumas coisas mais particulares, referidas vocalmente aos Padres Capuchinhos de Pariz pelo Sr. de Manoir.

O Sr. de Manoir,[NCH 116] (um dos capitães, de que se fallou na carta precedente, que fôra encontrado n’aquelle paiz com o capitão Geraldo) chegando ultimamente á França, e sendo portador da carta, ja transcripta e de muitas outras (algumas das quaes bem desejariamos aqui publicar para que não ficassem sepultadas no esquecimento as maravilhosas obras de Deos, de que ellas fallam, como que para despertarem os homens afim de louvarem a sabedoria, providencia, e bondade do Creador) contou muitas particularidades dos padres, não referidas em suas cartas.

Disse, que os padres chegando ahi começaram a edificar sua morada, construindo uma Capella para celebração da missa, e algumas cellas pequenas para residencia, sendo coadjuvados por alguns selvagens com alguns pannos e ramos de arvores.

N’um certo dia, quando um padre celebrava missa, chegou um selvagem dos mais velhos, (que elles consideram seos governadores, honrando-os e respeitando-os por causa da sua idade avançada) em companhia de trinta selvagens para ouvirem missa, o que fizeram, admirando com grande surpresa tão bellas ceremonias, e tão lindos ornatos, por elles nunca visto (pois que homens e mulheres andam todos nús.)

Quando o sacerdote chegou á consagração e ao offertorio, desceo um véo entre elle e o povo, de forma que este não poude ver aquelle, e nem o que se fazia por detraz d’esse véo.

Julgaram isto uma affronta e mostraram-se offendidos, e por isso, finda a missa, foram perguntar a causa de tal offensa.

Responderam os padres que n’isto não havia offensa, e que assim se fez por serem elles ainda pagãos, não podendo ser a Missa celebrada em suas presenças embora estando na Igreja.

Deram-se por satisfeitos e mostraram-se tranquillos, e foram contar o occorrido ás suas mulheres, que se mostraram desejosas de vêr os grandes Prophetas de Deos e de Tupan, e se reuniram em grande numero para tal fim.

Não quizeram porem os padres abrir-lhes a porta de sua pequena choupana porque estavam núas, mas ellas não esperaram por segunda recusa e metteram a porta dentro, o que não lhes foi difficil praticar, entraram e não se cançaram de olhar e contemplar os Padres, embora se demorassem pouco tempo, por lhes pedirem os Padres que se retirassem, o que cumpriram.

Depois desta visita, reuniram-se os velhos em grande numero e combinaram entre si qual devia ser o presente que offerecessem a esses Prophetas, como demonstração de sua benevolencia e regosijo pela sua chegada.

Finalmente concordaram, visto dormirem os Padres no chão duro, que se désse a cada um o seo colchão de algodão, que ahi floresce, e uma das mais bellas raparigas, o maior presente que costumam fazer.

Trouxeram quatro colchões e quatro raparigas, e offereceram aos Padres, que rindo-se aceitaram aquelles e recusaram estas com palavras de agradecimento.

Admirados com tal procedimento, diziam uns aos outros. O que é isto? Estes Prophetas não são homens como nós? Porque não acceitam estas raparigas, sendo impossivel o passar um homem sem ellas? Porque nos fazem tal offensa?

Responderam os Padres, que assim procediam, não por que reprovassem o casamento, quando conforme ás leis de Deos, visto que até elles o louvavam, mas como Deos havia outhorgado graças mui particulares a elles, e não aos outros homens, porque o serviam com mais perfeição, podiam passar sem mulheres por meio dessas graças.

Ouvindo esta pobre gente taes palavras ficaram admirados e como que fóra de si, contemplando a santidade destes Prophetas, e d’ahi em diante os veneraram mais, julgando-se felizes quando lhes entregavam seos filhos para serem educados em nossa santa fé, e afinal baptisados.

Tudo isto se poderá vêr na seguinte carta, escripta por esses Padres á um honrado mercador de Ruão chamado Fermanet, um dos seos maiores bemfeitores, para que se veja que nada acrescentamos, e que apenas narramos os factos pura e simplesmente colhidos n’essas cartas e em informações de pessoas fidedignas, testemunhas occulares, e por que n’ella se encontram particularidades não mencionados nos outros.

Eil-a:

Carta escripta pelos Padres Capuchinhos ao Sr. Fermanet.

A paz do Senhor Deos esteja comvosco.

Depois de tantas recommendações, que nos fizestes quando partimos para vos escrever, seriamos culpados si não vos dessemos noticias de paiz tão bom, graças á Deos.

Depois de 4 a 5 mezes de viagem ahi chegamos felizmente, sendo bem recebidos pelos Indios, conforme sua rusticidade, não nos importando o modo e sim a demonstração do seo contentamento então e ainda agora diariamente, trazendo-nos seos filhos para instruil-os o que faremos mediante a graça de Deos.

Quando voltar o Sr. de Rasilly, por estes 2 ou 3 mezes, nós vos mandaremos o numero dos convertidos e dos baptisados.

O paiz é muito bom, e ha esperança de produzir muito tabaco Petum, e Urucú, havendo ja muito assucar, bellas pedras, ambar-gris, e dizem-nos, que distante d’aqui 20 legoas ha uma mina de oiro.

Si não fosse grande a nossa pressa, nós vos dariamos mais algumas noticias, porem não podemos alongar-nos.

Beijando humildemente vossas mãos, e recommendando-nos á senhora vossa mulher, somos de vós e d’ella

Vossos humillissimos servos em Nosso Senhor.

Frei Claudio d’Abbeville.
Frei Arsenio de Pariz.

Narração de um marinheiro, vindo do mesmo paiz, feita ao Revd. padre Guardião do Havre da Grace, e por este communicada ao Revd. padre Commissario.

Revd. Padre, eu vos saúdo humildemente em Nosso Senhor.

O fim d’esta é communicar-vos, que veio hoje procurar-me um marinheiro, que vio e fallou com os nossos Irmãos, que estão em Maranhão com os Tupinambás, onde felizmente chegaram no dia 8 de Julho.

Este marinheiro ahi ouvio missa, e á ella assistio com muito respeito um velho selvagem do paiz, acompanhado por 25 ou 30 indios.

Quando chegou o tempo de consagrar-se e elevar-se a santa hostia, desceo um véo, causando-lhes isto admiração.

Recebida a explicação mostraram-se satisfeitos, e logo começaram a contar por toda a parte o que viram, e por isso vieram muitos ajudal-os a edificar sua habitação e Forte, ja em principio.

Veio o marinheiro em 22 de Agosto no navio de Moisset, recommendado ao Sr. de Manoir, a quem, segundo pensa, terão nossos Irmãos entregado suas cartas, ou a algum outro official de navio, o que me dispensa de contar-vos outras particularidades.

Não mudaram, e nem mudarão a côr dos seos habitos, usando apenas de um tecido mais leve do que o nosso, por causa do calor.

Deos seja louvado por tudo, e lhes conceda a graça de ahi apparecerem muitos fructos para a gloria do seo Santissimo Nome, e exaltação da Santa Fé da sua Igreja.

Sou de vossa Reverendissima o menor servo em Jesus Christo

Havre, 12 de Novembro de 1612.

Frei Theophilo, indigno Capuchinho.