Viagem ao norte do Brasil/I/XXIII
CAPITULO XXIII
Da consaguinidade entre os selvagens.
Como entre nós, a consaguinidade entre estes barbaros tem muitos graus e ramos, e se observa entre todas as familias com tanto cuidado como fazemos, excepto porem a castimonia, que tem alguns embaraços entre elles, menos no primeiro grau — de pae para filha.
Entre os irmãos e irmans não ha casamentos, mas duvido, e não sem razão, da regularidade da vida d’elles, e nem isto merece ser escripto.
Bróta o primeiro ramo do tronco de seos avós, que elles chamam Tamoin,[NCH 41] e debaixo desta denominação comprehendem todos os seos ante-passados desde Nóe até o ultimo dos seos avós, e admira como se lembram e contam de avô em avô, seos ante-passados, o que difficilmente fazemos na Europa podendo remontar-nos, sem esquecer-nos, até o tataravô.
O segundo ramo nasce e cresce do primeiro e chama-se Tuue, «pae», e é o que os gera em legitimo casamento, como acontece entre nós, porque para os bastardos ha outra Lei, de que fallarei em lugar proprio.
Este ramo paterno dá outro, que se chama Taire, «filho», o qual se córta e divide-se em diversos galhos, a que chamam chéircure, «meo irmão mais velho», um dia — a cumieira da casa e da familia, e chéubuire, «meo irmãosinho», que só cuidará da casa, si fallecer seo irmão mais velho.
Tendo filhos um destes irmãos, qualquer que seja o sexo, deve chamar o irmão de seo pae chétuteure, «meo tio» e sua mulher chéaché, «minha tia». Da mesma forma si seo pae tiver irmans elle as chama chéaché, «minha tia», como tambem os maridos d’estas chétuteure, «meo tio».
Os tios e tias chamam os meninos de seos irmãos e irmans chéyeure «meo sobrinho», e as meninas reindeure ou chereindeure, «minha sobrinha».
Os filhos de dois irmãos, isto é, de um irmão e os de outra irman se chamam os homens rieure ou cherieure, «meo primo», e as moças yeipere ou cheitipere «minha prima.»
Quanto á descendencia do lado das mulheres, a avó é o tronco, seja paterna ou materna, e chama-se ariy ou cheariy, «minha avó.»
A mãe é o segundo ramo, e chama-se Ai, «mãe», ou cheai, «minha mãe».
Seguem-se gradualmente a filha, cujo nome é tagyre, filha, ou cheagyre, «minha filha», a irman teindure, «irman», ou chéreindure, «minha irman», a tia yaché, «tia», ou chéaché, «minha tia», a sobrinha reindure ou chereindure, «minha sobrinha», ou «minha pequena irman», modo de fallar entre elles, a prima yetipere, «prima», ou cheytipere, «minha prima.»
Eis os ramos de consaguinidade entre elles.
Para os homens.
- Avô.
- Pae.
- Filho.
- Irmão.
- Tio.
- Sobrinho.
- Primo.
Traduzido em sua lingua é
- Chéramoin ou tamoin.
- Tuue ou chéru.
- Tayre ou chéayre.
- Cheircure ou chéubuire.
- Tuteure ou chétuteure.
- Yeure ou chéyeure.
- Rieure ou chérieure.
Para as mulheres.
- Avó.
- Mãe.
- Filha.
- Irman.
- Tia.
- Sobrinha.
- Prima.
Em sua linguagem.
- Ariy ou Ché-Ariy.
- Ai ou Chéai.
- Tagyre ou Chéagyre.
- Theindeure ou Chéreindeure.
- Yaché ou Chéaché.
- Reindure ou Chéreindure.
- Yetipere ou Ché-yetipere.
Alem d’estas consaguinidades existem mais duas por contractos de alliança; uma quando se dá sua filha á um individuo, ou quando se recebe uma moça para casar-se com seu filho, e outra quando, por contracto d’alliança com os francezes, lhes dam suas filhas para concubinas.
Aos que dam suas filhas chamam taiuuen «genro», ou Chéraiuuen, «meo genro».
Á mulher de seo filho chamam Tautateu, «nóra», ou Cherautateu, «minha nora».
Chamam os Francezes seos alliados por hospitalidade Tuasap, «compadre» ou ché-tuasap, «meo compadre» e as vezes Chéaire, «meo filho,» ou Cheraiuuen, «meu genro,» quando sua filha é concubina do Francez.
É este o ramo d’alliança.
- Genro.
- Nóra.
- Compadre.
Em sua linguagem é
- Taiuuen, ou Ché-raiuuen.
- Tautateu ou Cherautateu.
- Tuassap ou Chetuassap, ou então Ché-aire.
São bastardos os filhos, que tem fóra do casamento legitimo á moda d’elles, e entre estes bastardos ha ainda certa ordem.
A primeira é dos que tem pae e mãe, ambos Tupinambás: a segunda dos que tem por mãe uma india Tupinambá e por pae um Francez: a terceira dos filhos de um Tupinambá e de uma escrava: a quarta de uma Tupinambá e de um escravo: a quinta finalmente de uma escrava e de um Francez.
A linha dos bastardos é a seguinte:
- De um Tupinambá com uma Tupinambá.
- De uma india Tupinambá com um Francez.
- De um Tupinambá com uma escrava.
- De uma india Tupinambá e um escravo.
- De uma escrava e de um Francez.
Em sua linguagem chamam estes bastardos Marap, ou Ché-marap, e aos bastardos dos Francezes Mulatres, «mulatos.»
São diversas as leis d’estes bastardos conforme sua descendencia, e antes de tratar d’ellas convem estabelecer a regra geral para com os bastardos, que é quando...
(Falta uma folha.)
... elles o chamam Toreuue, «folgasão,» Cheroreuue, «sou divertido, folgasão:» o que é agradavel e tem para dizer alguma coisa chama-se aron-ayue.
Suas saudações, perguntas e respostas, quando juntas, são o mais amavel que é possivel, mormente quando as fazem com acento muito longo, brando, e insinuante, especialmente as mulheres e as moças, e como sei que será agradavel ao Leitor vou aqui transcrever algumas de suas frazes communs e ordinarias.[NCH 42]
Quando se levantam pela manhã dizem
Tyen-de-Koem. | Bom dia. |
Nein Tyen-de-Koem | Para vós tambem. |
A tarde, do regressar do trabalho, quando se despedem
Tyen de Karuq. | Boa tarde. |
Nein Tyen de Karuq. | Para vós tambem. |
Quando chega a noite, e querem dormir, dizem reciprocamente.
Tyen-de-potom. | Boa noite. |
Nein-Tyen-de-petom. | Para vós tambem. |
Se alguem se derige a elles, ou passa ao pé d’elles ou se encontra no caminho, muitas vezes pára um pouco, com expressão docil e rosto prasenteiro perguntam um ao outro:
Mamo sui pereiu? | D’onde vindes? |
Mamo peresso? | Onde ides? |
Logo que respondem e dizem d’onde vem e para onde vão, podeis ficar certo que se trata de uma das coisas seguintes, constante emprego de sua vida e exercicio, isto é, da pescaria no mar, da entrada nos bosques, da derrubada das arvores, da visita de suas roças, da plantação de raizes, da colheita dos fructos, e dos nabos, da caçada, dos passeios por varios lugares, da visita das aldeias e das habitações de uns e outros.
São estas as respostas d’elles.
Paranam-sui-kaiut. | Venho do mar. | ||
Pira-rekie-sui-kaiut. | Venho de pescar. | ||
Kaa-sui-kaiut. | Venho do matto. | ||
Ybuira monosoc, ou então ybuira mondoc. | Venho de cortar matto. | ||
Ko-sui-kaiut. | Venho da roça. | ||
Ko-piraruer-kaiut. | Venho de roçar. | ||
Maetum aruere. | Venho de cavar e de plantar. | ||
Vuapoo-aruere kaiut. | Venho de colher fructos. | ||
Kaaue-aruere kaiut. | Venho da caça. | ||
Mosu-aruere-kaiut. | Venho de passeiar. | ||
Taaue-sui-kaiut. | Venho de tal aldeia. | ||
Ahere-piac-sui-kaiut. | Venho de ver tal pessoa. | ||
Chere-suiu então cheretansui. | Venho de minha casa. | ||
Ne in cheaiurco. | - | Ne in oro iurco. | Adeos, vamo-nos embora. |
Quando vae algum visinho procural-os em sua casa, ou quando sentem falta de alguma coisa, procurando por ahi algures elles perguntam:
Que procuraes? | Maeperese-kar? |
Que perguntaes? | Maraereico? |
Então dizem o que procuram, e respondem ás perguntas mui francamente; por exemplo:
Quero comêr. | Agerure deué-cheremyuran ressé. |
Quero farinha. | Agerure uiressé. |
Quero carne. | Agerure soo ressé. |
Quero peixe. | Agerure pyra ressé. |
Quero agoa. | Agerure v-ressé. |
Quero fogo. | Agerure tata cheué. |
Quero uma faca. | Agerure xè. |
Um machado. | Iu. |
Se veem alguem pensativo, elles lhe perguntam o que ha e no que pensam.
Que pensaes? | Mara-péde-ie-mongueta. |
Elle responde:
Não penso em coisa alguma. | Ai Kogué. |
Penso em alguma coisa. | Maerssé-kaien-arico. |
Penso em vós. | Dressé kaien-arico. |
Si veem um conversando com outros, tem muita curiosidade de saber o que dizem, e por isso vão procural-os, e amigavelmente lhe perguntam:
Que dizeis? ou então, em que conversavam? | Mára-erepe? Mára-erepipo? Mara-peie-peiupé. |
Respondem elles:
Fallavamos de nossas occupações. | Ore-rei-koran koiomongueta. |
Fallavamos de vós. | Deressé koia-mongueta. |
Assim passavam entre si a vida mui pacifica e familiarmente.