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Vida de Antônio Rodrigues Ferreira/I

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I

O politico, que mais legitima, benefica, extensa, desinteressada e exemplar influencia exerceu na generosa politica conservadora do Ceará, teve por berço provincia mui distante, por pae cidadão de modestissima condição, e sempre foi pobre de bens da fortuna.

Si por um lado este facto notavel honra o caracter cearense que, para aquilatar do verdadeiro merito, prescinde de titulos nobiliarchicos e dos ouropéis da riqueza, por outro lado não honra menos aquelle que soube, por suas proprias virtudes civicas, conquistar em terra estranha a estima, confiança e gratidão de um povo altivo, intelligente e emprehendedor, cheio de dignidade e destituido de


......... bairrismo, que amisquinha

O patrio amor, e açula os vis instinctos.[1]


Depois de quasi 28 annos de sua morte, sem que lhe reste um só parente em quem sobrevivesse, abrio-se agora a opportunidade á justiça da posteridade que é ao mesmo tempo a da historia inflexivel.

Tambem uma homenagem séria não é prestada convenientemente sinão um tanto longe do tumulo, quando as paixões amigas ou inimigas se tem acalmado sem que a indifferença tenha ainda começado.[2]

Nasceu Antonio Rodrigues Ferreira [3] na cidade de Nictheroy, capital da provincia do Rio de Janeiro, em 1801[4] filho legitimo de Antonio Rodrigues Ferreira e de D. Marcolina Rosa de Jesus.

Seo pae foi praça do exercito, mas conta-se que, tendo dado baixa e compromettido-se em uma questão de terras, sahio furtivamente para o Rio da Prata, onde por muito tempo não se soube mais noticias suas.[5]

Presume-se com bom fundamento que a mãe tivesse morrido por esse tempo, e que o filho, reputando-se quasi orphão de pae e mãe, estas duas tristezas d’alma, na phrase do philosopho, tivesse por mais acertado procurar occupação decente em outra parte.

Empregou se na Côrte em uma pharmacia franceza, cujo proprietario era exaltado liberal: mas, quando já havia adquerido alguma pratica de botica e a estima de seo patrão, é de sorpresa agarrado para recruta e recolhido á cadêa publica.

O tempo comportava esses excessos, já depois da dissolução da Constituinte, em fins de 1823, quadra anormal e penivel para os liberaes, então mais geralmente conhecidos por patriotas.

Por causa das idéas do patrão, o inoffensivo e joven caixeiro era tão duramente castigado!

Felizmente a violencia durou pouco. O general Catêtte, amigo do pharmaceutico, fêl-o evadir-se pela grade da prisão, tão magrinho elle era, e refugiar-se a bordo de um navio mercante, que estava a largar para o Recife.

O commandante, a quem o moço havia sido recommendado, recommendou-o tambem, por sua vez, ao negociante portuguez d’aquella praça, Manoel Gonçalves da Silva, que o acolheu benevolamente em sua casa.

Por felicidade sua, achava-se igualmente hospedado na mesma casa o negociante e consul portuguez nesta praça, Manoel Caetano de Gouvêa, que com elle sympathisou, convidou-o e trouxe-o para seo caixeiro.

Foi a fortuna de ambos.

Mal pensava Gouvêa que trazia em sua compainha um homem superior que lhe havia de ser tão util e seo amigo! Mal pensava tambem o desventurado caixeiro que o destino o levava para a sua terra promettida!

E’ que assim tinha de ser.

Atirado nas plagas cearenses, como o naufrago em terra estranha, vae elle agora transformar-se no benfeitor da humanidade, no chefe politico incomparavel.


  1. Porto Alegre (Barão de Santo Angelo), “Colombo, Vol. 2.º, Cant. 20. Pag. 12."
  2. Guizot, “Sir Robert Peel, L’Etude d’Histoire Contemporaine, Cap. 1.º, pr
  3. Chamou-se a principio Antonio Rodrigues Ferreira de Macedo; mas, depois de casado, tirou Macedo, que aliás sua mulher conservou até á morte.
  4. Em um artigo publicado no Pedro II n. 1133 de 18 de Junho de 1852 e desta data elle dizia que tinha 52 annos. Logo nasceu em 1801. Nota do transcritor: Por essa informação, teria nascido entre 19 de junho de 1799 e 18 de junho de 1800.
  5. Até pouco antes de sua morte, esteve convencido de que o pae tinha morrido. Teve certeza do contrario por carta que recebeu sua, recommendando-lhe dous moços. Isto referio-me o Snr. Guilherme Augusto de Miranda como tendo ouvido-o ao proprio Ferreira.