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Vida do Padre José de Anchieta/I/I

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Os que escreveram vidas de varões santos, na Europa, têm por trabalho escusado, declarar a antigüidade das províncias, e de como foram povoadas as vilas e cidades que os Santos ilustraram, com obras e exemplos de suas heróicas virtudes, por ser coisa sabida e a todos manifesta. Porém, este trabalho parece que não posso eu agora escusar, pois a província do Brasil é nova e pouco conhecida, e somente de cem anos a esta parte descoberta, e suas cidades e vilas muitos anos depois se começaram a conquistar, e povoar, em especial aquelas em que o Padre José de Anchieta semeou os vivos exemplos de suas raras virtudes. Pelo que começaremos a tratar como foram povoadas as capitanias desta costa, apontando juntamente o estado em que de presente hoje estão, neste ano de seiscentos e cinco, em que esta Vida se escreve.

Da Bahia de Todos os Santos

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No ano de mil e quinhentos, reinando em Portugal El-Rei Dom Manoel de gloriosa memória, foi descoberta esta província do Brasil, por Pedro Álvares Cabral, segundo governador da Índia, na viagem que ia fazendo por esta banda por fugir das calmarias de Guiné.

Dali a muitos anos El-Rei Dom João, o terceiro, mandou a Martim Afonso de Sousa, que viesse a demarcar e repartir em capitanias, dando a cada uma cinqüenta léguas por costa. E fez mercê desta da Bahia, a Francisco Pereira Coutinho, que a povoou no ano de mil quinhentos e trinta e cinco. E viveu nela algum tempo; mas, por sua morte, vendo o dito Senhor de quanta importância podia vir a ser, satisfazendo aos herdeiros de Francisco Pereira, a mandou povoar e sustentar em seu nome. E para isso, no ano de mil quinhentos e quarenta e nove, enviou o primeiro Governador Geral Tomé de Sousa. Está a altura de três graus da linha para o sul, cem léguas de Pernambuco, e duzentas do Rio de Janeiro. É uma das maiores, mais formosas, e mais acomodadas para a vida humana, de quantas baías há no descoberto. Tem coisa de trinta léguas de roda, com obra de vinte ilhas, quase todas povoadas de fazendas. Tem mais de quarenta engenhos de açúcar, uns que fazem com água como azenhas, outros com bois, a que chamam trapiches. Entram nela dois rios caudais, e outros menores; a terra firme que a cerca está cortada com vários braços e esteiros, muito acomodados para a serventia das fazendas, e mantimento do marisco e pescarias.

Cidade do Salvador

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A cidade, chamado do Salvador, está situada em uma lombada, que fica senhoreando a baía, cercada com quatro fortes; o porto por baixo dela, capaz de toda a sorte de navios. Esta é a cabeça do Estado, aonde residem os governadores gerais, os bispos, o cabido, com os Ministros da Justiça, Fazenda e Milícia.

Tem mais outros quatro fortes, não de menos importância, que são quatro mosteiros de religiosos, de santa vida, letras e exemplo: S. Bento, Nossa S. do Carmo, S. Francisco, e o Colégio da Companhia de Jesus, fundado por El-Rei Dom Sebastião, com dote para sessenta religiosos, no qual há estudos públicos das faculdades que os padres costumam ensinar, que são ler, escrever, contar, lições de humanidade, cursos em se graduam em mestres em artes, e teologia moral e especulativa, donde saem muitos bons filósofos, casuístas e pregadores.

Baleias

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Entram nesta baía do mês de julho em diante, e andam nela em magotes, muita soma de baleias, grandes e pequenas, até o mês de outubro, e dão com sua vista muita recreação à cidade, mantendo-se às vezes por entre os navios, e volteando as crianças diante das mães, quando alguns arpoadores, em batéis ligeiros e bem equipados, se aventuram a cometê-las, os quais, pregando-lhes os arpões e matando-as, as desfazem em azeite, montaria algum tanto perigosa, mas muito rendosa.

Âmbar

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Pelas praias desta capitania, assim para a banda do Norte como do Sul se acham pedaços de âmbar, às vezes grande quantidade junta, do qual tem mostrado a experiência não ser outra coisa senão uma massa líquida, que vai pouco a pouco endurecendo e fazendo-se parda, tirando mais para preto. Gera-se dentro do mar, pegando nos recifes, donde com as tormentas os vai arrancando e vindo acima d’água; o que escapa dos peixes e aves marinhas, vem com a maré à praia; ainda ali os caranguejos, e outros bichos, se o topam, lhe não perdoam; e enfim no que se acha se faz mui bom dinheiro.

Teve esta capitania antigamente muito gentio, mas consumiu-se com guerras, doenças gerais e mau tratamento em serviços pesados, porém ainda se conservam nas aldeias qque os padres da Companhia têm a cargo.

Pernambuco

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A Vila de Pernambuco chamada também de Marim e Olinda, é mui nomeada por sua riqueza de pau-brasil, e comércio dos muitos açúcares que tem, que em muitas mil caixas cada ano deita carregado por sua barra afora, para o que sustenta em seus distrito e terras vizinhas, mais de cem engenhos de açúcar. Está em oito graus de altura para sul, na mesma altura que Angola. Foi povoada pelo primeiro senhor e governador geral dela, Duarte Coelho. O primeiro padre que naquela terra deu notícia dos ministérios da Companhia, e dos frutos que Deus por eles faz, foi o Padre Manuel da Nóbrega com outro companheiro, e depois continuaram outros o trabalho começado, donde se seguiu que muitos homens entraram em si, no grave negócio de suas consciências, deixando uns o mau trato de cativar índios por engano, e outros o mau estado em que viviam.

O senhor da terra, deu aos padres a ermida de Nossa S. da Graça, em que está hoje situado o Colégio, dotado por El-Rei Dom Sebastião para vinte religiosos. Nele se lê uma classe de latim, outra de ler e escrever, e a terceira de caos de consciência, quando há ouvintes. Daqui vão os padres, batizar e confessar aos escravos que estão pelas fazendas, e também ajudam a conversão dos pitiguares, ainda que por missão, visitando suas aldeias, até a fortaleza do Rio Grande, que está de Pernambuco cerca de cinqüenta léguas. Além de outras aldeias em que os padres estão de morada, ensinando aos índios e conservando-os na fé e costumes cristãos.