Vida e Feitos D' El-Rey Dom João Segundo/C
No Limoeyro de Lixboa estava preso hum homem estrangeiro muito rico e estava julgado aa morte. Concertou-se com o carcereiro que se chamava Joam Baço, e per seu consentimento se fez muito doente e confessado e feito seus autos fez que morria. Vierão homens por elle em hũa tumba, e o levaram a soterrar yndo vivo e são e da ygreja fugio e se salvou, e o carcereiro se pôs em salvo. Quando o el-rey soube, ouve disso desprazer, e mandou poer tanta deligencia que ouve o carcereiro à mão; e desejando muito de o castigar quis estar ao julgar de seu feito com certos desembargadores, os quaes foram deferentes nos votos tantos de hũa parte como da outra. Que huns o julgaram aa morte e outros o remetiam aas ordens. E disseram a el-rey: "Senhor, agora fica o feito em vossa alteza somente pera o castigar como quiser". E elle ficou hum pouco cuydoso sem falar como a homem a que pesara muito com ysso, e disse: "Eu certo desejava muito de castigar este homem por o caso que fez ser feo; porém pois sois tantos a hũa parte como a outra, a rey nam pertence senam yr aa parte da cremencia e dar a vida, e eu sam em lha dar e dou a ysso meu voto desejando muito o contrayro".