Vida e Feitos D' El-Rey Dom João Segundo/CXLVII
El-rey mandou fazer hũa nao de mil toneis a mais forte e milhor acabada, mayor e melhor que até entam fora vista de tam grossa, forte e basta liaçam e tam grosso tavoado que artelharia a nam podia passar, e tinha tantas bombardas grosas e outras artelharias que foy muyto falado nella em muytas partes; estando esta nao com outros navios que com ella hiam pera partir para Levante, onde a mandava mais ricamente concertada e com milhor gente que nunca nao foy e Alvoro da Cunha seu estribeiro-moor pessoa de que muyto confiava por capitam-moor.
E estando em Restelo pera se partirem, e el-rey em Sintra pera yr a Belem e dahi a ver partir, lhe veo recado que na nao adoeceram de peeste cinco ou seys pessoas, do que muyto pesou a el-rey, e lhe aconselharam todos que nam fosse a Belem por o periguo que era. Chamou entam Dom Dioguo d' Almeyda prior do Crato, e Dom Dioguo Lobo baram d' Alvito pessoas de muyta autoridade, e disse-lhes que lhe agardeceria muyto chegarem a Belem, e de sua parte dizerem a Alvoro da Cunha e aos fidalgos e cavaleiros que com elle hiam, que lhe pesara muito dos rebates que na nao ouvera pollos nam yr ver como desejava, por ser aconselhado que nam fosse laa, e que Nosso Senhor hos levasse e trouxesse como elle e elles desejavam. O prior e ho baram pesando-lhe da yda o disseram ao camareyro-moor Ayres da Silva, que per licença dambos disse a el-rey que lhe parecia cousa pouco necessaria mandar taes pessoas e tam achegadas a elle sem necessidade a lugar tam periguoso; e el-rey lhe respondeo: "Ora poys que ham medo nam vam que eu yrey laa". E ao outro dia levantou-se muyto cedo e foy ouvir missa a Belem, e ahi lhe beyjaram a mão Alvoro da Cunha e todos os fidalgos e cavaleyros seus criados que n' armada hiam; e acabado os despedio e se tornou a jantar a Sintra.