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Vida e Feitos D' El-Rey Dom João Segundo/LXXII

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Estando el-rey em Avis na Coresma deste ãno de oytenta e oyto lhe vieram cartas de Diogo Fernandez Correa seu feytor em Frandes, e com ellas hũa carta de crença ao dito Diogo Fernandez de Maxemeliano rey dos romãos que era primo com yrmão d' el-rey, em que lhe dava conta da grande guerra que avia antre elle e el-rey de França, e da esperança que avia de ser muyto mayor pedindo-lhe pola muyta rezam que antre elles avia, e por outras vertuosas causas que lhe alegou, quisesse antre elles ser medeaneyro, e os contratasse à paz. El-rey polla natural obrigaçam que a ysso tinha e por sua muita bondade e ser serviço de Deos que era a principal causa ante elle, folgou muyto de o aceitar e ho pôs logo por obra. E determinou logo mandar por embaixador a el-rey de França, ho doutor Joam Teyxeira chanceler-moor, e com elle por secretairo Fernam de Pina com honrrada companhia. Estando ja despedido pera partir veyo a el-rey outra nova certa do mesmo Diogo Fernandez, que lhe foy dada em Almeirim bespora de Pascoa, em que lhe certificava o dito rey dos romãos ser preso em Brujes pellos governadores da cidade e posto em seu poder com sua vida e estado em muito grande perigo assacando-lhe que queria meter na dita cidade muita gente d' armas pera a meterem a saco e os matar e roubar. Sobre o qual caso forom logo sem causa e endevidamente degolados e justiçados muytos dos seus, e antre elles entraram fidalgos honrrados e cavaleyros da casa do dito rey dos romãos. Com a qual nova el-rey mostrou muito nojo, muita tristeza, e sentimento e assi toda sua corte. E el-rey por isso se vestio de panos pretos, e seus paços e da raynha e do principe, foram logo desarmados dos ricos panos de que estavam armados pera a festa, em que nam ouve tangeres nem danças, nem cousa algũa de prazer; e assi se fez sempre até vir nova de como era solto. E tanto que el-rey soube de sua prisam mandou logo que a embaixada que estava pera partir nam partisse. E depois de sobre o dito caso ter conselho mandou logo por embayxador Duarte Galvam do seu conselho con cartas ao emperador e a el-rey de França, e pera outras cousas que compriam, e com poder de desafiar e romper guerra com os imigos do dito rey dos romãos e com quaesquer que pera sua soltura lhe parecesse necessario. E assi levou grandes creditos, provisões, e letras e precurações abastantes pera receber e poder despender atee cem mil ducados d' ouro em tudo o que podesse aproveitar pera logo ser solto. E assi offerecimentos e determinaçam de logo destes reynos mandar grande frota e muita gente em sua ajuda se necessario fosse.

E sendo ja o dito Duarte Galvam partido, estando el-rey em Almada pera dali poder tudo prover, no mes de Junho logo seguinte vierão a el-rey per mar cartas de Frandes per que foy certeficado que ho dito rey seu primo era jaa solto, e em sua liberdade em poder do emperador seu pay, o qual com grande poder vinha sobre a dita cidade, e com medo seu o soltaram; as quaes cartas trouxe hum Joam de Bayrros, com que el-rey foy muy alegre e recebeo muito prazer e grande contentamento, e assi toda a corte e o reino todo. E em Lixboa e na corte se fezeram solenes procissões, e muitas festas e alegrias assi no mar como na terra que duraram muitos dias; e ao dito Joam de Bairros fez muita merce e assi aos do seu navio por alvissaras de tam boa nova. E Duarte Galvam depois de ser chegado a Frandes aproveitou muito ao rey dos romãos posto que fosse solto, assi en virtude de dinheiro que per virtude de seus poderes lhe deu, como em vir por medianeiro e requeredor de sua paz e segurança com muitos senhores em terras que o dito rey requereo de que tinha muita necessidade; o que tudo acabou a muito contentamento seu.