Vilegiatura
Aspeto
- O sossego da noite, na vilegiatura no alto;
- O sossego, que mais aprofunda
- O ladrar esparso dos cães de guarda na noite;
- O silêncio, que mais se acentua,
- Porque zumbe ou murmura uma coisa nenhuma no escuro ...
- Ah, a opressão de tudo isto!
- Oprime como ser feliz!
- Que vida idílica, se fosse outra pessoa que a tivesse
- Com o zumbido ou murmúrio monótono de nada
- Sob o céu sardento de estrelas,
- Com o ladrar dos cães polvilhando o sossego de tudo!
- Vim para aqui repousar,
- Mas esqueci-me de me deixar lá em casa,
- Trouxe comigo o espinho essencial de ser consciente,
- A vaga náusea, a doença incerta, de me sentir.
- Sempre esta inquietação mordida aos bocados
- Como pão ralo escuro, que se esfarela caindo.
- Sempre este mal-estar tomado aos maus haustos
- Como um vinho de bêbado quando nem a náusea obsta.
- Sempre, sempre, sempre
- Este defeito da circulação na própria alma,
- Esta lipotimia das sensações,
- Isto...
- (Tuas mãos esguias, um pouco pálidas, um pouco minhas,
- Estavam naquele dia quietas pelo teu regaço de sentada,
- Como e onde a tesoira e o ideal de uma outra.
- Cismavas, olhando-me, como se eu fosse o espaço.
- Recordo para ter em que pensar, sem pensar.
- De repente, num meio suspiro, interrompeste o que estavas sendo.
- Olhaste conscientemente para mim, e disseste:
- "Tenho pena que todos os dias não sejam assim" —
- Assim, como aquele dia que não fora nada ...
- Ah, não sabias,
- Felizmente não sabias,
- Que a pena é todos os dias serem assim, assim:
- Que o mal é que, feliz ou infeliz,
- A alma goza ou sofre o íntimo tédio de tudo,
- Consciente ou inconscientemente,
- Pensando ou por pensar
- Que a pena é essa ...
- Lembro fotograficamente as tuas mãos paradas,
- Molemente estendidas.
- Lembro-me, neste momento, mais delas do que de ti.
- Que será feito de ti?
- Sei que, no formidável algures da vida,
- Casaste. Creio que és mãe. Deves ser feliz.
- Por que o não haverias de ser?
- Só por maldade...
- Sim, seria injusto...
- Injusto?
- (Era um dia de sol pelos campos e eu dormitava, sorrindo.)
- .......................................................................
- A vida...
- Branco ou tinto, é o mesmo: é para vomitar.