Vocabulário ortográfico e remissivo da língua portuguesa/Prefácio
ORTOGRÁFICO
E REMISSIVO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Êste Vocabulário está organizado em absoluta conformidade com as resoluções da Comissão nomeada pelas portarias de 15 de
fevereiro e 16 de março de 1911, e em harmonia com a recomendação feita na de 1 de setembro do mesmo ano, que aprovou essas resoluções.
Tendo por base o Vocabulário ortográfico e ortoépico da língua portuguesa, do mesmo autor, publicado pela Livraria Clássica Editora, difere dêle nas seguintes particularidades:
Foi eliminada toda a demonstração scientífica, a qual naquela obra elucida e justifica a escrita de inúmeras palavras, com a menção oportuna das suas etimologias. Conseguiu-se desta maneira que o livro tivesse menor volume, e o seu custo fosse modicíssimo.
Apesar dessa redução, porêm, é neste maior o número de inscrições, por se lhe haverem acrescentado muitos vocábulos, e entre êles considerável cópia de termos de sciências e artes, muitos dos quais podem originar hesitações no modo por que se hão de acomodar à simplificação e regularização ortográfica. Foi tambêm aumentado o número de neologismos triviais e o de provincialismos.
Compreende êste Vocabulário umas noventa mil palavras. Se não se houvessem omitido, por desnecessários para a consulta, os superlativos regulares em -íssimo, a maior parte dos aumentativos e deminutivos, particípios de verbos regulares, os advérbios formados com o sufixo -mente e diversos termos em que entram os prefixos des-, in-, re-, hipo-, hiper-, etc., vozes sôbre as quais nenhuma dúvida pode subsistir, em se sabendo a ortografia das primitivas de que se constituiram (e por êste motivo fôra ocioso repetirem-se), a totalidade dos vocábulos seria cem mil, e não muitos mais possuirá o nosso idioma.
Algumas alterações introduziu a Comissão em certas particularidades do plano sôbre que se esboçou a primeira obra citada, e que na minha Ortografia Nacional havia sido cabalmente exposto e fundamentado.
Avultam entre elas a conservação de todos os valores actuais do x, abolição de ç inicial e de z final de sílaba átona, o restabelecimento de h inicial etimológico e de ge, gi mediais, bem como a marcação com o acento circunflexo (^) em vez do agudo (´) nas vogais nasais ã, ẽ, õ (am, an, em, en, om, on).
A todas essas modificações se atendeu com o maior escrúpulo neste Vocabulário.
Reproduzem-se em seguimento, e como introdução, o Formulário e o Prontuário que acompanham as Bases para a unificação da Ortografia, aprovadas pela indicada portaria de 1 de setembro, cuja edição oficial teve larga difusão. O Vocabulário é a exemplificação completa de todos os preceitos ali formulados, que são um verdadeiro tratado de ortografia.
Quem consultar êste Vocabulário deve ter em atenção as condições que passo a expor, e que seguramente constituem as únicas dificuldades ortográficas, que a Comissão, para se manter fiel à história do idioma pátrio, não pôde remover.
As letras sobre cujo emprego poderão suscitar-se dúvidas são estas:
a) e ou i átonos antes de vogal ou de s seguido de outra consoante, como em despesa e dispêndio, desfear e desfiar, veeiro e vieira;
b) o ou 'u átonos, como em moral e mural, soar e suar, bocal e bucal;
c) ge, gi ou je, ji, como em gemer, girar, e jimbaje, Jerónimo;
d) z ou s mediais, como em prezar e preso, s, ss ou ç entre vogais, como em necessidade, possa e poça;
e) sce, sci, ce, ci ou se, si, como em scetro, sciência, mas cidra, cera, e sidra (bebida), seira;
f) ô ou ou, como em pôde e soube;
g) x ou ch, como em xá, e chá, buxo e bucho;
h) s ou z final, como em nós e noz, português e altivez, vês e vez;
i) Emprego do h inicial etimológico. Quando, por conseguinte, o consultor do Vocabulário não achar nêle uma palavra com qualquer dessas letras equivalentes, deve procurá-la com a outra ou com as outras de igual valor, certo de que a encontrará, as mais das vezes com a devida remissão à escrita errada. Outro tanto acontecerá quando haja mais de uma forma para o mesmo vocábulo, que se inscreve com as competentes remissões. Neste caso, na forma preferível não se faz no Vocabulário referência à menos legítima, a qual é inscrita em caracteres itálicos, quando seja peregrina dispensável, ou de todo inadmissível, acrescentando-se-lhe a portuguesa adequada ao sentido.
O e e o o fechados tónicos, todas as vezes que por preceito ortográfico não exijam o acento circunflexo a diferençá-los na escrita, vão com êle marcados entre parêntese: dever (ê), dor (ô). Êste mesmo expediente se adoptou para o a, e, o, abertos átonos, fora das circunstâncias normais, e para o i ou u que átonos não formem ditongo com a vogal antecedente; ex.: vadio (à), cediço (è), poveiro (pò); faiscar (ais), saudar (aù).
Os símbolos convencionais ḁ e e̥ designam, em caso de necessidade, os valores do a e do e surdos, de batel (ḁ), levar (e̥), alcáçares (çḁ), cadáveres (ve̥), etc.
O valor alfabético do x, quando conveniente se torne indicá-lo, tem um ponto sobrescrito (ẋ); os seus outros valores são representados por s, ss, cs, (e)is, tudo entre parêntese.
Por estas convenções se conseguiu que, a par de ortográfico, o Vocabulário seja tambêm ortoépico, pelo menos quanto à sílaba predominante.
A classificação gramatical, o género dos substantivos, e o dos adjectivos ou pronomes vão sempre assinalados pelas abreviaturas m., f., 2 gén. (masculino, feminino, 2 géneros).
Na pauta das abreviaturas estão incluídas, com as suas definições, todas as que se empregaram e são as mais usuais.
É remissivo o Vocabulário, porque menciona constantemente, para confronto, as palavras que devem receber acento gráfico distintivo, comparadas com outras, escritas com as mesmas letras, em que o acento se omite, ou é diferente. Remissivo é também porque aponta mais de uma forma de um dado vocábulo, aconselhando a que se deva preferir, como já antes fica dito.
Quando na flexão de uma palavra qualquer acento tem de ser acrescentado ou suprimido, é tido em consideração êsse facto, designando-se a devida escrita. Assim, por exemplo, o plural de fiel, sol é indicado como fiéis, sóis, porque recebe um acento que não figura no singular, fazendo-se a competente remissão a fieis, de fiar, e sois, de ser, em que o e e o o são fechados; o plural de nomes, como em português, e os respectivos femininos portugueses, portuguesa(s), vão do mesmo modo inscritos, porque perdem o acento gráfico, e como o e permanece fechado, essa permanência do seu valor é acusada entre parêntese (ê).
Quando o prefixo des entra na formação de qualquer vocábulo começado por s, o seu s terminal no sul do país e na linguagem scénica é proferido as mais das vezes separado da inicial do derivado; assim, a 1.ª sílaba de esselar é pronunciada como a de descer; em tais circunstâncias vai no Vocabulário' seguido de hífen (-), des-selar, notação esta que conviria adoptar-se para se evitar a fácil confusão para a escrita de outras palavras, em que os dois ss valem por um único som, convêm saber, o de s inicial, como em dessorar, dissensão, disseminar, etc.
As letras c e p antes de c, ce, ci, t figuram encerradas igualmente em parêntese, quando facultativamente proferidas ou suprimidas na pronunciação, como em fa(c)ção, fa(c)cioso, rece(p)ção, rece(p)táculo; e quando de todo mudas, o valor das vogaes a, e, o átonos é apontado, em seguida, por exemplo, activo (à), excepção (cè), adoptar (ò).
Os vocábulos cujos plurais por qualquer modo se apartem das regras gerais da sua formação figuram seguidos dos competentes plurais, como em carácter, pl. caracteres (té). Adoptou-se para os nomes terminados no ditongo ão, como regra geral, a sua mudança em ões, por ser esta forma a que abrange maior número de casos, assinalando-se portanto sómente os que terminam em ães, ãos, dos quais se dá o feminino, se o teem.
Muitas palavras em que entra o digrama ou alternam com outra forma em que o ditongo é oi, e vão precedidas de asterisco; etc.: * ouro, isto é, ouro ou oiro.
Os verbos da 3.ª conjugação (em -ir) são divididos em cinco grupos, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º. Os do 1.º grupo não sofrem alteração na vogal radical, como unir, afligir; os demais alteram diferentemente essa vogal, facto que vai indicado em cada um dêles pela designação 2.º, 3.º, 4.º e 5.º (grupos), conforme a alteração sofrida. Veja-se, no fim do vocabulário, a secção ortográfica dos verbos da 3.ª conjugação.
As características normais dêsses grupos são as seguintes:
1.º grupo: Nenhuma modificação ortográfica; já porque se não observa na pronúncia, como em punir, já porque a escrita a não acusa, como em partir.
2.º grupo: O e ou o o do infinito passa respectivamente a i, u, quando a terminação contêm o ou a; ex.: preferir, prefiro, prefira; cobrir, cubro, cubra.
3.º grupo: O e do infinito passa a i, quando a terminação contêm a, o; ex.: sentir, sinto, sinta. Antigamente, e ainda popularmente, conjugavam-se estes verbos com i permanente no radical, átono; mintir, minto, mintia, etc.
4.º grupo: O e ou o do radical passa a i, u, quando o acento nêle recai; ex.: progredir, progrido, progride(s), progrida; sortir, surto, surte(s), surta.
5.º grupo: O i ou u do radical passa a e, o, quando a desinência contêm e; ex.: frigir, frege(s), frejem; sumir, some(s), somem.
Com estas indicações preliminares qualquer pessoa pode consultar o Vocabulário, com a certeza de que êle é guia seguro para quem queira ou deva seguir a ortografia oficial. Como no Vocabulário Ortoépico, de que se fêz menção, dá-se no final dêste a conjugação dos verbos, em todas as suas particularidades, com ou sem complementos pronominais enclíticos, e acompanhada de explicações minuciosas. Dêles trata o Apêndice com que termina o livro, e no corpo da obra verá quem o consultar inúmeras referências a êsses paradigmas.
Resta-me agradecer aos beneméritos editores o esmero empregado na primorosa edição do Vocabulário, modelar apesar do seu deminuto preço; e por último tributar novos e bem merecidos louvores à Exma Snra D. Amélia Pereira Sirven Aillaud Monteiro, que com a maior solicitude e provada competência se incumbiu, como já o fizera nas duas anteriores edições, da difícil e laboriosíssima revisão de toda a obra, da qual o autor apenas recebeu uma prova tipográfica final, que parcíssimas correcções teve de sofrer, tam perfeito foi aquele trabalho, executado em curto prazo, e pelo qual me confesso gratíssimo, como é dever meu indeclinável e de inteira justiça.
Tributo aqui tambêm os meus agradecimentos aos snrs. Valentim Gális e ao snr. Henrique R. Lang, lente na Universidade de Yale, bem como à snrª D. Luísa Ey, professora de português no Instituto Colonial de Hamburgo, pelas lacunas e imperfeições que me apontaram nas edições anteriores, e que vão agora remediadas.
A. R. Gonçalves Viana.