A Mulher na agricultura, nas industrias regionaes e na Administração Municipal/Industrias artísticas regionais

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Industrias artísticas regionais
 

 

No renascimento moral e material da nossa pátria, que muitos não querem vêr por propósito mofino e arreliento, bastante temos a esperar da iniciativa tanto municipal como individual dos que, pela inteligência e pela fortuna, estão acima de quaisquer preocupações de ordem económica.

Do norte ao sul do país tudo ha por fazer, pois o passado deixou um deficit colossal de energias desaproveitadas, de aptidões desprezadas, de inteligências e labôr malbaratados pela ignorância e consequênte desinteresse dum pôvo que tinha perdido a consciência do seu dever, como representante do passado gloriôso e fiador do futuro próspero.

Industrias, artes e pequenos nucleos de trabalho que existiram por toda a parte, têem-se perdido, na concorrência brutal do grande industrialismo, por falta de estímulo, de educação e inteligente protecção, não dizêmos da parte do Govêrno — porque a sua acção cada vez a desejâmos mais limitada, por inutil dentro duma colectividade instruida e autónoma — mas da parte dos municípios, assim como das pessôas que, pela sua cultura e pela sua independência, bem podiam ter fomentado essas industrias.

Todos sabem o grande defeito – defeito?... Nem se póde bem saber se é defeito, se é qualidade, uma coisa que é característica dum pôvo ou dum indivíduo; mas dêmos-lhe esse nome, á falta de melhor — todos sabem que o nosso defeito, talvez até passageiro, filho da crise de agitação colectiva por que passamos, é sêrmos um povo que esgota extraordinárias reservas de energia, a falar e a discutir todos os assuntos, pouco se concentrando numa acção firme e persistente, executando uma idéa, um plâno maduramente delineado e preparado com segura garantia de êxito.

O que se faz em outros países, numa acção lenta, mas progressiva, para auxiliar a colectividade menos preparada, é urgente fazê-lo entre nós, onde tudo nos deixaram em minas. É uma pátria nova a reconstruir, arrancando pedaço a pedaço, pedra a pedra, o que de bom e de tradicional, de util e de artístico, tinha ficado soterrado no desabamento a que nos levaram ânos e ânos de govêrnos sem inteligência e sem patriotismo, ânos que foram séculos para o atrazo da marcha da civilização.

Os tempos mudaram, mercê dos que não perderam o fio condutor que por momentos se embaraçou em mãos inexperientes, depois de ter sido dobado com tão maravilhosa intuição pelo espírito extraordinário de Garrett.

Sempre que o nosso povo atravessa uma crise em que julgam que já desfalece e vai perecer, e em que as aves agoirentas começam a grasnar as suas litanias, volta-se para si próprio, mergulha bem fundo na alma extraordinária da mais persistente e mais forte das raças, e ressurge mais môço, mais enérgico, mais capaz de lutar e triunfar.

Que importa que o abandonem alguns que por instantes tinham sido elementos uteis, achando o fio e dobando algumas braçadas com inteligência ?

Os homens passam e são esquecidos, e o trabalho ficou e será aproveitado, porque pertence á colectividade.

Na bela obra de etnografia artística, que representa alguns capítulos soberbos das Farpas, Ramalho Ortigão refere-se com interessado carinho á industria moribunda dos nossos lindos tapêtes de Arrayolos.

Foi ha muitos ânos na leitura das Farpas que vimos a primeira referência a essa industria, que tão esquecida ia já da nossa terra.

Mais tarde, na orientação que felizmente pudémos imprimir ao nosso espírito, não só conhecêmos e apreciámos o encanto da industria artística, como nos foi dado possuir alguns exemplares autênticos dêsse trabalho lindíssimo em que tantas mulheres ocuparam o tempo e apuraram o gôsto, num passado que não póde sêr esquecido nem renegado, porque teve, como tudo na vida, o seu lado bom.

Lendo numa revista francêsa um artigo que se refere á obra dum benemérito, mr. Fenailles, sôbre a criação da actual industria dos tapêtes de Aveyron e o modo como por ela resolveu o problema de evitar a emigração para as grandes cidades e dar trabalho, em casa, ás raparigas pobres, a idéa veiu-nos bem nítida do que se deve fazer para ressuscitar no Alentejo uma industria artística, que poderá ser, como factor económico e social, mais e muito mais do que a francêsa, porque repousa em bases seguras dum passado que ainda se não extinguiu completamente.

Para realizar o seu intento fundou mr. Fenailles uma escola onde as alunas, tendo casa, cama e mêsa gratuitas, aprendem o fabrico dos tapêtes que primeiro mandou aprender por senhoras de competencia nas manufacturas da Argelia.

Depois de profissionalmente aptas a trabalharem sós, é-lhes fornecido o bastidôr, o modêlo do tapête, a lã necessária e todo o material preciso para exercerem o seu labôr no domicílio, sendo-lhes os utensílios e materiais descontados em pequenas prestações. E é o próprio fundador da oficina que se encarrega da colocação dos produtos, pagando-os, logo que lhos entregam.

É isto, muito por alto, o que nos diz a notícia e ao lê-la esboçou-se bem claro no nosso espírito o que havia a fazer com as industrias nacionais dos tapêtes de Arrayolos, com os interessantes trabalhos transmontânos de tecelagem em relêvo, com as rendas e bordados diversos e todas as demais industrias regionais, tornando-as, como se fez ás rendas de Peniche e aos linhos de Guimarães, verdadeiras industrias de exportação.

O que mr. Fenailles fez na sua localidade já em Portugal se fazia ha séculos, sendo os conventos as caladas oficinas onde se imitavam com perfeição os tipos de tapeçarias orientais, sem dúvida riscos trazidos das nossas íntimas relações comerciais com o Oriente.

Esperêmos que a iniciativa municipal, com a sua influência directa sobre as escolas industriais distritais, ou algum particular inteligente e patriota, faça de nôvo ressurgir essa industria caseira dos tapêtes de Arraiólos, artística e luxuosa, que foi o encanto do baixo Alentejo. É necessário dar a esta província silenciosa, no seu viver tão calmo e simpático, e no seu orgulho forte de independência, o laço íntimo que prenda cada vez mais á terra, que tanto dêles necessita, os corações dos seus filhos.

Para isso é preciso que a mulher encontre o ideal no trabalho caseiro, e possua a clara visão do futuro que a espera a dentro do âmbito da família, que prepara a sociedade.

A mulher do Alentejo — que detesta a agitação nervosa da sua colega das Beiras e Algarve e não sente a acicata-la a ambição aventurosa da nortista persistente em seus desígnios de abelha laboriosa — está naturalmente indicada para a realização dêste projecto.

A alentejâna, sonhadôra e pacífica, poderá ser extremamente feliz, passando as mãos delicadas por sobre a téla florida donde surgirão os mais formosos e policrómos lavôres. A meia luz dôce dos seus interiores mouriscos, sonhará a felicidade sem sobresaltos violentos, vendo a família progredir farta e robusta, sorrindo para a pequenada gárrula que nos páteos interiores rebola pela terra as suas caminhas duras de futuros atletas.

Sem ter esquecido os trabalhos caseiros e agrícolas que a solicitam, sem deixar perder o lucro certo dos galinheiros e do fumeiro bem provido, sem esquecer nenhuma das suas aptidões e industrias de casa, a mulher, principalmente enquanto moça, terá no seu tear ou no seu bastidor um trabalho remunerador, artístico e (para que o não acentuar tambem?) devéras patriótico.

Devemos convencer-nos de que a iniciativa municipal num futuro breve nos dará razão.

A maior compreensão dos direitos e deveres municipalistas trará a civilizadora descentralização e consequente desejo de progredir, que hade fazer com que cada município se compenetre bem das necessidades e aspirações dos seus municípes, fomentando a maior riqueza, de harmonia com o passado histórico e com o futuro.

Ha industrias ricas, e esta é uma délas, que não pódem saír do trabalho feminino caseiro da classe média, sob pena de desaparecerem, como tem sucedido a muitas e principalmente ás rendas em algumas localidades, como Setúbal, onde a grande industria de conservas de peixe, levando a mulher do povo para o maior ganho das fábricas, tirou-as da industria pobre, mas artística, das rendas de bilros.

As escolas industriais devem as câmaras auxiliá-las, para que em cada localidade se possam criar e manter as indústrias artísticas, que são a economia das mulheres que não podem ou não querem procurar profissão fóra de casa.

Tanto umas como outras profissões, são bôas; todas as mulheres que produzem trabalho económico são úteis, num tempo em que a questão económica sobreleva a tudo.

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