Dicionário de Cultura Básica/Filosofia
FILOSOFIA (conceito e evolução)
(Marinoff)
Do grego philo (amante) e sophia (sabedoria), a filosofia é a atividade do espírito humano em busca de uma resposta aos interrogativos mais cruciais da existência: quem sou eu, de onde eu venho, para onde irei após a morte, por que eu vivo? Segundo o poeta simbolista Paul Valéry, "são as perguntas que fazem o filósofo". É a reflexão sobre as formas do pensar, do sentir e do agir humano, a consciência crítica da experiência existencial considerada em sua totalidade. Seu objetivo, que é o mesmo de todas as ciências e as artes, é o saber, o conhecimento. O que distingue o filósofo do cientista ou artista é o meio de que se serve para alcançar tal objetivo: o pensamento reflexivo. Enquanto o homem da ciência experimenta e o poeta imagina, o filósofo reflete! A atitude filosófica é conatural ao ser humano, sendo esta atividade o fator principal que distingue o gênero humano da vida vegetativa e animal. Mas os grandes sistemas filosóficos só apareceram em civilizações bem desenvolvidas. No tocante à Cultura Ocidental, as bases do pensamento reflexivo encontram-se na Grécia com os pensadores chamados "pré-socráticos": Pitágoras (570–500), considerado o pai dos números, que colocou a matemática a serviço da moral; Heráclito (550–480), que estudou os elementos da natureza para explicar a cosmologia; Protágoras (480–410), que afirmara que "o homem é a medida de todas as coisas"; Demócrito (470–361), o fundador do "atomismo", o ponto de partida doutrinal do materialismo. Com Sócrates (470–399), a filosofia deu um passo decisivo, transitando da cosmologia para a ética. Ele foi um "sofista" no sentido primeiro da palavra, que significava sábio (de sophia = sabedoria), pois exercia a profissão de pedagogo, ensinando a desenvolver o raciocínio e a criar habilidades para o uso da palavra como principal meio de convicção. Só mais tarde o termo "sofisma" adquiriu um sentido pejorativo, passando a indicar um argumento falso, formulado de propósito para induzir o interlocutor ao erro. Os sofistas usavam muito o silogismo, que em grego significa "argumento": colocadas duas proposições, chamadas "premissas", a terceira, chamada "conclusão", tornava-se uma dedução formalmente certa, inevitável, embora de sentido duvidoso ou enganoso. Um exemplo de silogismo sofista: "o homem é um animal; Pedro é homem; logo, Pedro é um animal". A sutileza está na passagem do plano ontológico para o ético. Sócrates é considerado o pai da filosofia porque deixou de se preocupar com o Universo físico, a constituição do mundo, estudando apenas as relações entre os homens. Cícero, o famoso escritor latino, também filósofo, em suas Tusculanas, afirma que Sócrates
"foi o primeiro a fazer descer a filosofia do céu
e a instalou nas cidades e a introduziu nos lares,
obrigando-a a indagar acerca da vida
e dos costumes, do bem e do mal"
Platão (427–347), discípulo de Sócrates, foi o primeiro a criar um sistema filosófico completo e coerente, com base na "teoria das idéias": a corrente do Idealismo que, junto com a corrente oposta do Materialismo (→ Positivismo), implícita no pensamento do seu discípulo Aristóteles (384–322), são as duas vertentes fundamentais da história da filosofia ocidental, predominando, quase de uma forma alternada, ora a postura idealista ou espiritual, ora a visão do mundo positivista ou material. Esses arquétipos da filosofia, que constituem dois macro-sistemas, espelham o chamado "dualismo cósmico", perceptível na alternância dos princípios opostos da natureza (noite/dia; verão/inverno; céu/terra, corpo/alma etc.), adquirindo, evidentemente, aspectos peculiares na dependência do tempo e do espaço. Epicuro (341–270), outro mestre do pensamento grego, se preocupou quase exclusivamente com o problema da felicidade humana, colocando ênfase no "prazer" calculado, medido. Já o Estoicismo (Zenão, Sêneca, Marco Aurélio) dá mais importância à "virtude", que consiste em viver segundo a natureza, agüentando silenciosamente qualquer desventura. Seu lema é: "suporta e abstém-te". Estava aberto o caminho para a ética cristã! Efetivamente, a filosofia moral do Estoicismo difundiu-se pelo mundo durante o período do Helenismo alexandrino e romano, ao longo de seis séculos, do III antes ao III depois de Cristo, desaguando no oceano teocrático da Igreja Católica de Roma, que começou a impor sua visão do mundo, fundamentada no monoteísmo e na transcendência. O primeiro grande pensador cristão foi Santo Agostinho (354–430), o mais importante Doutor da Igreja Romana, cujo pensamento filosófico e religioso dominou o universo cultural da Alta Idade Média (→ Medievalismo), até o advento de Tomás de Aquino (1227–1274), o maior pensador da filosofia "escolástica", pelo nome dele apelidada de "tomismo", pela qual a investigação filosófica deixou de ser um fim em si mesma, sendo obrigada a servir à religião católica: a filosofia passou a ser ancilla (escrava) da teologia. A doutrina escolástica "cristianizou" o sistema filosófico de Aristóteles (a concepção do Deus cristão é semelhante ao aristotélico "motor imóvel", o que, infinito e inatingível, tudo move), tentando explicar racionalmente, através de um discurso serrado e coerente, retomando o uso do silogismo sofista, os principais dogmas da fé católica.
Na Renascença européia (→ Renascimento), o pensamento filosófico não evoluiu muito, pois os escritores, neoplatônicos ou neo-aristotélicos, se limitaram a retomar a herança cultural greco-romana. Sua base teórica foi o Humanismo. Mas o Renascimento, com o estupendo progresso das ciências e das artes, preparou as bases ideológicas para o início da filosofia moderna. Seguindo a ordem cronológica, podemos apontar os seguintes momentos evolutivos do pensamento moderno e contemporâneo, que se encontram tratados em verbetes próprios: o Empirismo inglês (Francis Bacon: 1561–1626); o Racionalismo francês (Descartes: 1596–1650, considerado o pai da filosofia moderna), que desaguou no Iluminismo enciclopédico do séc. XVIII, o chamado "século das luzes"; o Idealismo alemão (Kant: 1724–1804 e Hegel: 1770–1831); o Positivismo (Comte: 1798–1857); o Determinismo (Taine: 1828–1893); o Materialismo histórico (Marx: 1818–1883); o Existencialismo (Kierkegaard: 1813–1855, Heidegger: 1889–1976 e Sartre: 1905–1980); a Fenomelogia (Husserl: 1859–1938); a psicanálise e a sexualidade (Freud: 1859–1939); o voluntarismo (Nietzsche: 1844–1900); o Intuicionismo (Bergson: 1859–1941); o Estruturalismo e a Antropologia social (Lévi-Stauss e L.Althusser); o Relativismo (Albert Einstein : 1879–1955).
A importância da reflexão filosófica é uma verdade incontestável, pois o ser que não pensa deixa de ser "humano", desistindo da sua prerrogativa de "Homo Sapiens". Não refletir sobre a existência humana e seus problemas é um erro profundo que prejudica não apenas o viver em sociedade, mas o próprio indivíduo. Recentemente, o filósofo canadense Lou Marinoff lançou um livro, que se tornou best-seller mundial, com o título Mais Platão, Menos Prozac. Com esta obra, com a docência no City College de Nova York e com palestras (também no Fórum Econômico de Davos), Marinoff demonstra que a filosofia pode ser aplicada também aos problemas cotidianos. O ensino filosófico começa a extravasar a sala de aulas e a se prolongar no consultório e nas publicações de matérias em jornais e revistas. Retornando às origens, quando Sócrates dialogava com cidadãos atenienses em praça pública, nos balneários ou nas academias de ginástica, alguns filósofos modernos começam a vender seus conselhos de vida. A filosofia está se tornando uma alternativa ao tratamento psicanalítico, uma hora de aconselhamento custando tanto quanto uma sessão de psicoterapia. Dois filósofos californianos também estão tendo sucesso: Tom Morris (Se Aristóteles dirigisse a General Motors: A Nova Alma dos Negócios) e Christopher McCullough, que ensina princípios estóicos a investidores fracassados. Este se convenceu de que "as pessoas preferem uma boa conversa intelectualizada a tratamentos contra depressão ou ansiedade". E não somente nos EUA. O suíço Alain de Botton (Consolações da Filosofia) utiliza as idéias do grego Epicuro e do romano Sêneca para resolver problemas de frustrações profissionais, de carência afetiva, de economia empresarial e familiar. Às vezes a filosofia, como a poesia, pode conseguir frutos também práticos Com certeza, ela nos ajuda a viver! A importância do conhecimento filosófico, em nossos dias, pode ser medida pelo sucesso continuado na cultura ocidental da obra ficcional-didática O Mundo de Sofia, do professor norueguês Jostein Gaarder. Como dizia Machado de Assis, "há em todas as coisas um sentido filosófico...pois as coisas valem pelas idéias que nos sugerem".