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A esperança
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e esse não lhe seria difficil segural-o. O peior era se elle gritava. O rapaz livrou-o d'este receio. Pegou n'um sacho e imitando a acção dos dois aldeãos, disse:

― Vou sachar as beldruegas. Se precisarem de mim, chamem, que eu ouço bem.

Parou à porta, murmurando:

― Cuidaveis que me lograveis? Hei-de ver o que ides fazer.

E sahiu vagaroso.

 

 
O orphão do guerreiro

Donnez, peu me suffit; je ne suis qu'un enfant
Un petit sou me rend la vie.

A. Guiraud.

Nas praias solitarias,
Na rocha agreste e dura,
Entre as campas mortuarias
Da ermida obscura...
Pobre engeitado mesquinho,
Ahi se vê tão sosinho
Que faz dó para elle olhar!
Por todos é despresado,
Quem só é acalentado
Pelas tristes ondas do mar!...

E' noite; o sol declina,
Nas vagas do Oceano;
Tolda-se além a collina
C'um veu que galga ufano.
O pastor procura a casa
Assenta-se n'uma rasa
A porta do seu curral;
Não se entretem com seu gado
Não colhe a herva do prado
Não tracta do seu quintal!....

E o pobre infortunado
Ao longe o avistava,
Sobre uma pedra sentado...
OE ninguem o consolava!
Exilado longe dos seus, cabo
E só vendo a terra... os ceus
As estrellas, o sol e o ar...
Sem saber para onde ir,
Nem com quem se divertir,
Só vivia a suspirar!

E o triste ajoelhado
Junto á casa onde nasceu
Diz: — Sou filho d'um soldado
Que pela patria morreu;
Minha mãe tambem não vive
E que pena d'ella tive...
Quando a vi fallecer!
Ah! as esmollas que me dão
Não chegam para comprar pão...
Para fome e frio não ter!

Assim falla; e anciado,
Para o sollo se atira...
Amaldiçoa o duro fado
E quasi endoidece... delira!...
Assim falla o infeliz
E tudo que d'est'arte diz
E' propagado pela fé...
Pois olhando, triste pr'os ceus
Morre no seio de Deus
Sem se lembrar de quem é.

Agosto — 1865.

A. P. do Amaral.

 

 

As duas desafortunadas


Traducção

De

Emilia Rosa da Silva

Pouco tempo havia que a marqueza de Clarença se retirára para o convento da visitação de Cl..., e com a quietação e serenidade, que via imperar n'este retiro, tornava-se-lhe mais viva e amarga a pena que a consummia. Oh! dizia ella, como são venturosas estas innocentes pombinhas que para o ceu tomaram o vôo! Dia sem nuvens é para ellas a vida; e não sabem do mundo o que sejam magoas nem prazeres.

Uma só lhe parecia triste e esmorecida entre estas pias donzellas, cuja ventura envejava, e se chamava Lucilia; e como estivesse ainda no viçoso da idade, reluzia n'ella aquelle caracter de linda, que é imagem d'um coração meigo e affavel; mas a dor e lagrimas tinham-lhe desdourado a amenidade, bem qual rosa, que o sol murchou, e ainda deixa vêr no seu amortecimento todo o lustre, que na manhã tivera. Como que uma linguagem ha muda para as aimas ternas. Leu a marqueza nos olhos d'esta amavel afflicta o que ninguem tinha advertido; assim é tão natural nos desditosos o lastimar-se de seus semilhantes e amal-os! Tomou depois inclinação a Lucilia; e porque a amisade,