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A esperança

 

Virginia


(De pag. 254)

III

Em quanto Alberto se ria com os seus amigos á custa de Virginia, estava ella em sua casa bordando ao lado de Candida, sua irmã mais velha.

A's vezes apparecia em seus labios um sorriso que ella reprimia, para que não fosse visto por sua irmã.

Outras vezes parecia meditar, e, de momentos a momentos, murmurava o nome de Alberto, mas tão surdamente, que só quem aproximasse o ouvido dos seus labios poderia percebel-o.

Tão entertida estava a pensar que, durante alguns minutos, esqueceu-se do trabalho, o que foi notado por Candida, que lhe perguntou:

― Em que pensas, Virginia?

Esta estremeceu, e, por unica resposta córou.

― Não ouves? ― tornou sua irmã ― em que pensavas tu?... O teu silencio faz-me desconfiar... Virginia, ha alguns dias desconheço-te... Até aqui, era eu a tua confidente, e bem sabes que nunca trahi a confiança que em mim depositaras.. Porém agora tens segredos que me ocultas, não sei porque motivo... Já não mereço a tua confiança?

― Não digas isso, Candida! E' verdade que tenho um segredo que ainda não te revelei, porque tinha receio de que não approvasses o meu procedimento... Mas.... vou-te dizer tudo...

E em poucas palavras lhe relatou a sua affeição por Alberto. Sua irmã abanou a cabeça em signal de desapprovação, e disse:

― Virginia! ainda estás muito nova... por em quanto não devias pensar em semilhantes cousas... Vê se podes esquecer Alberto, e não te deixes arrastar por a tua paixão que póde vir a ser-te fatal.

― Não posso, Candida. Sem o amôr de Alberto, seria-me impossivel viver.

As duas irmãs callaram-se e continuaram o seu trabalho.

A' noute, recolheram-se ao quarto e adormeceram, depois de terem resado as suas orações.

Já a estrella matutina principiava a entornar sobre o mundo uma luz tenue, com que dourava o cume dos montes; e o somno de Virginia, até alli placido e socegado começava a tornar-se inquieto.

Candida acordou com o barulho que fazia sua irmã sonhando, a qual, com os braços estendidos, como se tentasse segurar o seu amante, gritára:

― Alberto! por quem és não me abandones.. não sejas tão cruel... Olha... escuta-me... Eu... sem o teu amor... não posso viver... Se acaso me aborreces... dize-m'o francamente... mas... antes de abandonar-me... tira-me a vida...

Acordou n'este momento... Um suor frio lhe banhava o corpo... Levantou-se no leito, e olhou á roda de si... Sua irmã fingia dormir. Ella, vendo que ninguem a tinha escutado tornou a deitar-se.

Candida conheceu por este sonho que era já impossivel persuadir-lhe que despresasse a affeição do mancebo.

Augusto Queiroz.

(Continua).
 

Maria Isabel


Romance original por Maria Peregrina de Sousa

Dedicado á memoria de minha irmã

(De pag. 251)

XXXII

A fuga

Ainda José não tinha dado meia duzia de passos e sentiu fechar-se a porta por onde sahira.

― Lá vos avinde! disse elle affastando-se rapido. Não quero nada com almas do outro mundo. Só é que lá não tendes de ver-me. Ao ar livre está-se melhor.