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A esperança
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O marujo fechou o mais succinto que pôde a porta com todos os ferrolhos, e subiu os degraus que levavam ás sallas. Abriu a porta, que tinha a chave na fechadura e caminhou por um corredor comprido. Viu a porta d'um quarto aberta. Entrou. Era quarto de mulher, e pela desordem da roupa e da cama conheceu que era de quem se tinha levantado á pressa. Devia ser o quarto de Miquelina, e por elle ia-se ao de Maria Isabel. Adiantou-se. Viu outra porta fechada. Não tinha a chave. Começou a tirar os gonzos d'um lado. De dentro ouviu a voz de Maria Isabel perguntando quem estava alli.

― Sou eu, respondeu Francisco, pelo buraco da fechadura. Não tenha medo, e arranje-se para fugir d'este encalhadouro do pecado.

A porta em breve franqueou passagem á donzella que estava tremula e agitada de susto.

― Meu salvador, disse ella com voz reconhecida, quanto lhe devo! Tentei arrombar a janella de noite, mas não tinha senão uma thesoura, e receiava fazer bulha. Que seria de mim se não fosse o senhor Francisco?!.

― Siga-me, e não falle, nem tenha medo.

― E se esses homens dão com nosco e matam o senhor Francisco?

― Não me matariam assim como um gato, havia de custar-lhes; mas fechei-os todos na quinta, menos o alcoviteiro-mór.

Sahiram do quarto, foram por o corredor e chegaram á cosinha. Francisco fechou com a chave a porta que dava para o corredor, atravessaram a cosinha e sahiram para o pateo. Não pôde o moço fechar a porta da cosinha por fóra como queria; ella não tinha chave. Abriu o portão e viram-se no caminho publico.

― Graças a Deus! disse a orphã, estou fóra d'aquelles muros! Quanto lhe devo senhor Francisco?..

― O peior, replicou o marujo, é que a senhora D. Mariquinhas não poderá ir a pé até ao Porto.

― Deus me dará forças. Vamos mais depressa.

― A senhora D. Mariquinhas cança-se se vai muito de pressa. Mas espere... Este sitio é muito solitario. Dê-me licença de leval-a ao cólo até chegar á estrada.

― Obrigada... Não é preciso. Caminhemos depressa.

― Dê-me ao menos essa capa que vai a incommodal-a; e deite o chaile pela cabeça. Vai sem chapeu e o nord'este está de levar coiro e cabello: e logo nos bate de prôa! Temos de navegar á bolina; mas em chegando á estrada, virar-lhe-hemos o costado. Se o snr. Maximino adivinhasse... Ter-me-ia trazido reforço e conducção.

― Deus me livre d'isso, senhor Francisco!.. O snr. Custodio da Cunha podia levar isso a mal; e mesmo seria desairoso para mim que o snr. Maximino viesse ajudar a libertar-me; poderia suppor-se... que...

― Que elle lhe quer bem; não é isso? Pois senhora D. Mariquinhas suppunha-se a verdade. E v. s.a não lhe quer bem a elle? Perdoe a minha confiança; e falle-me como se eu tivesse a honra de ser seu irmão. Diga, diga, não lhe quer bem?

― Meu irmão?.. Bem o tem sido. Não tenho a felicidade de ter irmão, mas achei um dos mais dedicados no snr. Francisco.

― Então porque não responde á minha pergunta?

― Meu bom irmão, acha-me tão pouca delicadesa, que me deixasse ir a sentimentos demasiado ternos pelo filho dos meus bemfeitores?

― Não entendo bem a resposta; mas se é, como se me afigura, contraria ao amôr do senhor Maximino, é uma ingratidão de que não julgava capaz a senhora D. Mariquinhas. E então agora que o snr. Custodio da Cunha tinha dito que a queria para nóra...

― O senhor Custorio da Cunha disse?... disse?..

― Disse que a queria para noiva de seu filho. Então agora?.. Mas a noticia fez-lhe mal!.. Parece que não póde andar.

― Estou fatigada.

― Apegue-se ao meu braço, se não tem vergonha d'ir pelo braço d'um marinheiro.