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A esperança

 

― Já, ― respondeu a boa velha derramando lagrimas ― teve repetidos accidentes quando morreu a senhora, que Deus tenha em sua Santa Gloria.

Tanto Rosa, como o snr. Cunha fizeram aspirar diversos espiritos á desmaiada joven; que passado alguns minutos abriu os olhos.

A's perguntas do snr. Cunha respondeu ella, que estava melhor, que não tivesse cuidado, por que aquillo fôra um insignificante ataque de nervos, mas que agora inteiramente bôa lhe pedia fosse dar ao desventurado marquez a noticia de que era portador. Vá, meu tio, acrescentou a menina, vá, os momentos são precisos porque talvez aquelle pobre pai queira ir receber o ultimo suspiro de seu filho.

Estas ultimas palavras foram proferidas com um accento tão desesperado, que entre qualquer pessoa que não fosse o snr Cunha conheceria que sua sobrinha não estava tão socegada como queria mostrar; mas elle cedendo ás instancias que a menina lhe fazia, abraçou-a e sahiu.

― Minha querida senhora, como está afflicta! ― disse a velha tomando as mãos geladas da moça, entre as suas tremulas pelo susto ― que tem? necessita d'alguma coiza? Faz-me tremer.

― Não é nada Rosa, não é nada, socega, foi uma forte dôr de cabeça acompanhada d'um ataque de nervos causado pelo cheiro desses junquilhos: leva-os d'ahi, deixa-me descançar, e verás como logo estou bôa.

A velha socegada com um sorriso que viu nos labios da sua querida menina, como ella lhe chamava, sahiu levando as pobres flores, supposta cauza do desmaio de Clotilde. Esta apenas sentiu fechar a porta deu livre curso ás lagrimas que ha tanto tempo continha.

― Meu Deus ― dizia ella ― como o meu coração adivinhava. como as minhas suspeitas se tornaram realidades!!

Em perigo de vida ― disse meu tio!! Oh! Paulino, anjo da minha almoa, eu te seguirei de ponto: Meu Deus, salvai-lhe a vida ― accrescentou a menina cahindo de joelhos aos pés da imagem de Christo que estava no seu quarto ― mas se elle já não existe... então compadecei-vos de mim e levai-me tambem; não prelongueis uma existencia que seria tida um martyrio.

Capitulo II

As duas amigas

Tinham passado dois dias desde que Clotilde recebeu a noticia da perigosa enfermidade de que fôra acommeetido o filho do marquez de Santa Eulalia.

Agora ábro um parentesis para apresentar a joven doente, e dar duas palavras de explicação aos leitores; porque ellas são indispensaveis ao desenvolvimento d'esta historia.

Paulino, orphão de mãe, era o encanto de seu pai, e irmã, e o modelo dos bons filhos, e irmãos.

Sua mãe e a de Clotilde, eram parentes, ainda que em grau muito remoto, e como as suas cazas ficavam só a algumas milhas de distancia viviam na maior intimidade, e seus filhos olhavam-se como irmãos.

As duas mães pensavam com a maior felecidade na união de seus filhos para o futuro.

Paulino, chegando á idade de 11 annos foi para o collegio, aonde estava quando morreu sua mãe.

O pai de Clotilde estava então em Lisboa, e uma noite ao sahir do theatro de S. Carlos foi morto por uma conjuração d'inimigos politicos! Sua esposa esqueceu-se de que n'aquelle momento era mais que nunca precisa para amparo de sua filha, e entregou-se toda a dôr de