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A esperança
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ter perdido seu marido. D'uma delicada construção, e sem ter quem lhe lembrasse o seu dever de mãe não pôde resistir muito tempo, e passado um anno morreu deixando só a sua querida Clotilde!

O marquez de Santa Eulalia era amigo intimo do pai da innocente orphã, e alguns membros do concelho de familia quizeram que elle fosse o tutor da pobre menina, mas a maioria votou que fosse o snr. Cunha, por ser seu parente mais proximo.

Este homem era antipatico ao velho marquez, e por tanto elle, e seus filhos foram escaceando as suas vizitas á Salgueiroza.

Paulino quando vinha a ferias custava-lhe conformar-se com a ideia de não ver muitas vezes Clotilde, e sempre arranjava licença para ir elle e Josefina passar dois dias junto da sua amiga d'infancia.

Aos 19 annos foi para Coimbra, aonde era idolatrado por todos os seus condiscipulos.

Ao principio cuidava Clotilde que a saudade que sentia pelo mancebo, era a que se tem por um irmão, mas a ultima despedida, quando elle n'esse anno foi para Coimbra convenceu-a de que o amor mais ardente incendiava o seu coração, e estava tão ateado, tinha lavrado tanto com o supposto nome d'amizade, e que era impossivel apagal-o.)

Feita esta apresentação, e dadas estas explicações, vamos de novo procurar o fio d'esta historia.

Como diziamos, eram passados dois dias desde que Clotilde recebeu a triste nova, e esses dois dias passou-os ella sem se deitar, sem tomar alimento algum, e derramando prantos de fél.

Ella não via mais do que a imagem de Paulino, morto, e com elle a sua felicidade. A's vezes um ligeiro raio d'esperança, trazido a seu coração pelo anjo da fé, fazia acalmar o seu desespero, e com a maior confiança punha os olhos na Imagem de Christo, e ficava a orar com fervor por longo tempo.

As commoções por que passava cauzaram-lhe uma febre violenta, e instada pela velha criada metteu-se na cama.

― Deus faz-me a vontade, pênsava ella, e se Paulino morrer vou unir-me com elle.

― Quer que lhe abra um bocadinho da jan'ella que deita para o jardim? ― procurou Rosa.

― Pois sim, quero respirar o ar puro da manhã.

Quando rosa abria a janella ouvia-se na rua o trote de tres cavallos.


Luzia e Melania


(Traducção de A. P. Y. da Silveira)

(De pag. 303.)

Tu não me offendeste em cousa nenhuma, minha irmã; sempre te quero bem; mas alguns instantes ha, em que nos entregamos a uma especie de melancolia de que ninguem póde dar conta a si proprio: vive tu na certeza de que sempre sou a mesma a teu respeito. Como? proseguiu Melania; tens alguns pezares, cuja causa não te seja conhecida?... Das-me licença, para que falle. Mana? Falla, diz-lhe Luzia, levada de uma especie de curiosidade, e com algum acanhamento.

― Não te has de agastar?

― Já te disse: podes explicar-te livremente.

― Agora te darei, minha irmã, as maiores provas de sinceridade e ternura, vê que me dás licença; póde ser que me engane; como que observo desde que o Conde... Que queres tu dizer? atalhou-a agramente Luzia toda perturbada, e córando de envergonhada.

― Nada, minha irmã.... nada... mas o Conde é digno de ser amado....

― Assim é, que é digno de ser amado... E então tornou-lhe Luzia com certo ar de dissabor, que atrahia: que tem de commum o Conde d'Estival? Não te quer parecer, menina... que eu o amo? Sim, tu o amas, continua Melania olhando-a com os olhos fitos...., e elle te