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A esperança
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os anneis. Estava de calças e botas, e tinha mettido em si muito dinheiro, e coisas de muito valor. A muita carga fez perder a embarcação. Olhe, snr.a mãe, vossemecê havia de conhecel-o, porque ouvi-lhe dizer um dia que tinha ido buscar obra a casa d'elle. Era um tal Ricardo d'Oliveira...

Ainda bem não tinha pronunciado o nome todo e tres gritos soavam ao mesmo tempo. De Carolina, que dizia:

― Calla-te!.. calla-te!..

E das duas snr.as que se precipitavam nos braços uma da outra, bradando:

― Meu Deus!.. meu Deus!..

― Que foi?! dizia o marinheiro.

― E's um tòlo!.. Fazes sempre disparates!.. Dizes sempre parvoices!

As vozes que se ouviu de D. Maria Carlota e sua filha é que o fizeram sciente da verdade.

― Pois está dito, tornou elle contristado. Agora não tem remedio. E assim, como assim, haviam de sabel-o um dia. A gente não tem a vida por praso. Em chegando a nossa hora acabou-se tudo. A morte é corsario a que se não escapa. Quando se apresenta é ferrar as vélas e entregar-lhe a embarcação.

No entanto Maria Isabel chorava amargamente: sua mãe, entregue outra vez á desesperação, não derramava uma lagrima. A's vezes arrancava os cabellos, outras torcia as mãos, bradando:

― E que morte, meu Deus!..Que morte! No meio das ondas!.. clamando por soccorro... maldizendo a ambição... E talvez eu... talvez as minhas exigencias... o luxo da nossa casa... as minhas loucuras... concorressem para a perdição de meu marido!..

Francisco, a(texto ilegível)rrado d'esta scena, queria remediar o mal que fizera e buscava, na sua liguagem singela, expressões de consolação. Carolina tentava tambem atalhar o mal que seu filho causára, e ora dizia banalidades para desvanecer a desesperação de D. Maria Carlota e para fazer seccar as lagrimas da filha de Ricardo de Oliveira, ora se voltava contra seu filho e lhe ralhava. Elle, coitado, não se defendia; e até esquecêra a pressa que tinha de voltar á embarcação. A viuva do naufrago não attendia a nada, e continuava:

― Foi o dinheiro que matou o pae de minha filha! E que dinheiro!.. O dinheiro que lhe não pertencia!.. Desgraçado!.. A deshonra... a infamia n'este mundo e no outro a condemnação eterna!..

― Não, não, minha mãe!... exclamou a menina, erguendo as mãos, como se receiasse que as vozes de sua mãe é que fizessem condemnar seu pae. Não diga isso!... Deus é de infinita misericordia.

― Não ha perdão para o impenitente... e elle morreu luctando para salvar o que subtrahiu aos credores. Não se arrependeu, não! Nem remorsos teve de nos deixar a braços com a miseria! De mim não me queixo!.. Ajudei-o a desbaratar o que era nosso e dos outros; mas tu, que foste sempre tão boa e tão pouco exigente!.. Amaldiçôa teus paes... Tu o podes... tu o deves fazer.

― Minha mãe, pelo amor de Deus não diga coisas tão horriveis!

― Teus paes, minha filha, não merecem o teu respeito filial. Tinham vaidade de ti, mas não te amavam como deviam... como eu agora te amo.

Depois d'este accesso de desesperação cahiu a infeliz n'um deliquio. Deitaram-n'a no leito, e Francisco foi vêr se trazia algum cirurgião.

Pouco depois vinha com um estudante de cirurgia, que morava perto, e a quem contou tudo o que tinha succedido.

VIII

O noticiador officioso

N'esse mesmo dia, ao fim da tarde, passava Maximino pelos Lois, onde estavam muitos homens conversando, como é costume áquella hora. D'um dos grupos se destacou um mancebo, e foi ao filho de Custodio da Cunha, que não pensava em deter-se por alli como ás vezes fa-