Página:Dom Casmurro.djvu/171

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as cócegas pediam-me unhas, e eu coçava-me com alma. Não escolhi logo, logo o soneto; a principio cuidei de outra fórma, e tanto de rima como de verso solto, mas afinal ative-me ao soneto. Era um poema breve e prestadio. Quanto á ideia, o primeiro verso não era ainda uma ideia, era uma exclamação; a ideia viria depois. Assim na cama, envolvido no lençol, tratei de poetar. Tinha o alvoroço da mãe que sente o filho, e o primeiro filho. Ia ser poeta, ia competir com aquelle monge da Bahia, pouco antes revelado, e então na moda; eu, seminarista, diria em verso as minhas tristezas, como elle dissera as suas no claustro. Decorei bem o verso, e repetia-o em voz baixa, aos lençóes; francamente, achava-o bonito, e ainda agora não me parece máu :

 Oh! flôr do ceu! oh! flôr candida e pura!

Quem era a flôr? Capitú, naturalmente; mas podia ser a virtude, a poesia, a religião, qualquer outro conceito a que coubesse a metaphora da flôr, e flôr do ceu. Aguardei o resto, recitando sempre o verso, e deitado ora sobre o lado direito, ora sobre o esquerdo ; afinal deixei-me estar de costas, com os olhos no tecto, mas nem assim vinha mais nada. Então adverti que os sonetos mais gabados eram os que concluiam com chave de ouro, isto é, um desses versos capitães no sentido e na fórma. Pensei em forjar uma de taes chaves, considerando que o verso final, saindo chronologicamente dos treze anteriores, com difficuldade traria a perfeição louvada;