Página:Dom Casmurro.djvu/172

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imaginei que taes.chaves eram fundidas antes da fechadura. Assim foi que me determinei a compor o ultimo verso do soneto, e, depois de muito suar, saiu este :

 Perde-se a vida, ganha-se a batalha!

Sem vaidade, e falando como se fosse de outro, era um verso magnifico. Sonoro, não ha duvida. E tinha um pensamento, a victoria ganha á custa da propria vida, pensamento alevantado e nobre. Que íão fosse novidade, é possivel, mas tambem não era vulgar; e ainda agora não explico por que via mysteriosa entrou n'uma cabeça de tão poucos annos. Naquella occasião achei-o sublime. Recitei uma e nuitas vezes a chave de ouro; depois repeti os dous versos seguidamente, e dispuz-me a ligal-os pelos doze centraes. A ideia agora, á vista do ultimo verso, pareceu-me melhor não ser Capitú; seria a justiça. Era mais proprio dizer que, na pugna pela justiça, perder-se-hia acaso a vida, mas a batalha ficava ganha. Tambem me occorreu acceitar a batalha, no sentido natural, e fazer della a luta pela patria, por exemplo; nesse caso a flôr do ceu seria a liberdade. Esta accepção, porém, sendo o poeta um seminarista, podia não caber tanto como a primeira, e gastei alguns minutos em escolher uma ou outra. Achei melhor a justiça, mas afinal acceitei definitivamente uma ideia nova, a caridade, e recitei os dous versos, cada um a seu modo, um languidamente :

 Oh! flôr do ceu! oh! flôr candida e pura!