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salvo para fazer alguns retratos, e isto mesmo nem era já aplicação sensata depois do daguerreótipo, então em plena posse de ambos os mundos. Quando a mulher lhe falou no desejo do pequeno, limitou-se a erguer os ombros; mas indo ele fazer-lhe pessoalmente o pedido, José Vargas irritou-se deveras.

— Tu estás doido? disse ele agitando as narinas. Pois hás de ganhar a vida a borrar pano!

Silvestre tentou fazer entender ao pai que não era precisamente o que ele queria, mas a potência intelectual do procurador não ia até compreender a transfiguração. O pai cortou a palavra ao filho e devolveu-o ao cartório.

Não havia mais que obedecer, Silvestre obedeceu.

Passados os primeiros dias, o pequeno levantou o espírito do abatimento em que o lançou a recusa paterna. Achava meio de sair a certas horas, em certos dias, e voltava ao edifício das Belas-Artes. Ali travou conhecimento com um dos alunos, tornou-se íntimo; alcançou confidências; fez-lhe algumas, e quando a amizade se achou cimentada — o que custa pouco entre rapazes —, obteve em casa do aluno as primeiras lições de desenho. Mostrou-lhe então alguns ensaios que fizera a ocultas; o aluno admirou-se da espontaneidade do talento e não acreditou que ele não tivesse tido mestre.

— Não tive nenhum, respondeu Silvestre com simplicidade; copiei algumas gravuras que tenho num livro.

Alcançou algumas lições: mas o mestre, vendo um dia que o discípulo lhe era superior, sentiu-se humilhado e suspendeu o obséquio. Silvestre colheu desde logo os primeiros espinhos. Não desanimou, nem era caso disso. O que aprendera era bastante para desenvolver-lhe o talento; atirou-se à arte com o melhor de seu coração. Imberbe como Rafael, não se acreditava menos votado à glória ainda que para ele a glória não eram os aplausos dos homens, mas só o fato de produzir alguma coisa. Quando lhe pareceu que ia bem no desenho, experimentou o emprego das tintas; arranjou uma tela, armou um cavalete, e trabalhou consigo. Ao cabo de muita tentativa, convenceu-se de que lhe faltava ainda muita coisa. Voltou à Academia, a pretexto de visitar o antigo mestre, mas com o único fim de observar como ele e os outros trabalhavam. Um professor do estabelecimento reparando na atenção com que ele assistia às lições e descobrindo-lhe no olhar alguma coisa superior, travou amizade com ele e deu-lhe na sua oficina lições particulares e práticas, que o rapaz aprendia com rapidez incrível. O desinteresse e o desvelo do professor falaram na alma de Silvestre, e deram-lhe, com as noções da arte que ele adorava,