Página:Jornal das Famílias 1877 n06.pdf/20

Wikisource, a biblioteca livre

olhar doce e lastimado do filho começava a influir. Silvestre recolheu-se à alcova com a alma dilacerada. Tinha então quinze anos; via já claramente que devia renunciar a uma das duas coisas: a arte ou a família. O amor e a vocação lutaram nele com armas de igual têmpera; áspera e pertinaz refrega que acabou afinal, não pela vitória, mas pela esperança — a esperança de conciliar o cartório e a oficina. A solução consolou-o, como sabem consolar todas as quimeras. O pai mandou-o chamar.

— Resolvi tirar-te do cartório, disse ele, saboreando a alegria vã do filho; vais ser escrevente do Dr. Luís Borges. Não só serás seu escrevente, mas até irás morar com ele. Virás ver-nos aos domingos, ou de mês em mês, conforme te portares.

Silvestre lançou-se-lhe aos pés.

— Adeus! exclamou o pai; não percas tempo, que é aborrecer-me. Resolvi e não recuo.

Nem os rogos da mãe nem os da irmã puderam demover o procurador da resolução assentada. Força era obedecer. A mãe de Silvestre tratou de o aconselhar a proceder bem, com o fim de ver se afrouxava o ânimo do pai; a irmã desfazia-se em lágrimas; o procurador afogava a comoção em rapé.

O Dr. Luís Borges que José Vargas tirava assim da algibeira, como um chicote para castigar o filho, estivera com o procurador duas horas depois da repreensão que este fizera ao rapaz. O procurador contou-lhe as suas mágoas, a repugnância do filho ao trabalho forense, a inclinação de desenhar retratos.

— A maior parte do tempo consome-a naquilo, disse ele. Se não fosse franzino eu já o tinha metido no Arsenal ou em alguma outra parte, em que o obrigasse tal ou qual disciplina. Não sei realmente o que espera ele da...

— Mas já viu alguma pintura dele?

— Eu sei lá! uns rabiscos e pinceladas, que não entendo. Mas, ainda que entendesse aquilo é lá ofício que deixe lucro?

O advogado torceu a pêra, consertou a gravata e disse:

— Vou propor-lhe uma coisa.

— Diga!

— Seu filho precisa de um freio, não é? Pois eu me encarrego de o pôr a bom caminho. Faço-o meu escrevente, trabalhará debaixo da minha inspeção. Mas, não sendo isso bastante, convém que ele venha viver comigo; sairá do escritório para casa, e de casa para o escritório. Fá-lo-ei trabalhar, de modo que esqueça as tais pinturas. Serve-lhe?