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A proposta era tão inesperada que o procurador não pôde responder logo; tudo entrava em seus cálculos, menos separar-se do filho. Contudo, a oferta era tão generosa, a proteção do advogado tão útil, que fora erro e descortesia não aceitar. O procurador aceitou, com muito agradecimento. Assentou-se que Silvestre iria na segunda-feira próxima para casa de Luís Borges.

Silvestre empacotou os seus pincéis, telas e cavalete, o seu livro de artes, alguns desenhos, vários esboços, enrolou tudo em folhas verdes de esperança, engolindo muita lágrima, e declarou-se pronto a seguir seu destino. O pai comoveu-se na ocasião de o abençoar, mas disfarçou o abalo dizendo ao filho:

— Vai com Deus! Se trabalhares com afinco e zelo, há em ti um bom tabelião.

— Não, murmurava o coração do adolescente, há em mim uma obra-prima.


II.


O Dr. Luís Borges morava na praia da Gamboa, numa casa elegante, ainda que pequena, construída à custa de muitas razões finais. Era homem de quarenta anos, casado com uma gentilíssima senhora de vinte e cinco, sem filhos nem parentes, quase sem amigos. A fortuna não era nem surda nem solícita aos rogos do advogado; era como a maré que ele via das janelas todos os dias; enchia e vazava. Ele tinha a virtude de não esmorecer com as vazantes nem alucinar-se com as enchentes. Laboremus era a sua máxima.

Quando Silvestre ali apareceu, no dia ajustado, acabava o Dr. Borges de ler as folhas e preparava-se para ir ao almoço. O pai fez entrega do filho e saiu. O pequeno ficou trêmulo e sem voz.

— Venha cá, meu rebeldezinho, disse o advogado; venha sem medo. Com que então, em vez de copiar autos, V. M. dá-se à pintura?...

Silvestre não ousava levantar os olhos do chão. Não se sentia triste somente, mas irritado e indignado. Não falava porque não podia; mas dado que pudesse, é provável que não rompesse o silêncio.

Luís Borges caminhara para ele, com a mão esquerda ergueu-lhe a cabeça, e contemplou-lhe alguns segundos as feições finas, os olhos rutilantes de juventude e esperança, a fronte amassada de talento e ambição. Ao mesmo tempo, Silvestre, que até então não olhara em cheio para o advogado, pôde ver-lhe o rosto, que ele supunha ser peludo e tétrico e achava simplesmente franco e amorável.