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O PRECURSOR DO ABOLICIONISMO NO BRASIL
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A retirada de Gama do campo das letras é, destarte, quasi arrependimento ou remorso por se haver embaido com ideal de somenos, quando havia tanto que fazer numa luta muito mais trágica e muito mais grandiosa.

Para o seu fôro íntimo, não era inteiramente censuravel que houvesse publicado o livro: serviria a demonstrar, na raça negra, a capacidade de atingir ás alturas e á civilização que a branca lhe declarava interditas. Mas, cumprida a façanha, Gama desiste de prosseguir na trilha. O seu repentino e definitivo abandono do campo da literatura, parece-me um caso de renúncia voluntária e propositada. A vida exigia dele bem maiores provas de capacidade e de valor.

E a liberdade dos negros, sujeitos á tirania dura e feroz da servidão corporal, acabou por se transformar, em pouco tempo, na sua máxima, na sua invencivel paixão, alvo e razão justificativa de sua existência. Naquele temperamento de fogo, feito de chama e de idealismo, a questão tinha de assumir o carater exclusivista, fechado, intransigente que nele teve.

Na luta que Gama sustentou em nossa terra, a favor dos escravos, luta tenacíssima, áspera, sem quartel, em que ele jogou tudo, sem excetuar a propria cabeça, sem a esperança da menor recompensa, teve de sua parte a veemência de uma idéa-fixa, a intensidade irraciocinada de uma paixão amorosa e a irreversibilidade de um apostolado místico. Chega a espantar o odio que ele revelou possuir em tão alta dose, concentrado em redobrada potência e com uma tão resistente capacidade de durar que nem a