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A Brasileira de Prazins/P. S.

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Com os subsídios ministrados pelo cura de Caldelas compus esta narrativa, espraiando-me por acessórios do duvidoso bom senso, cuja responsabilidade declino dos ombros daquele discreto sacerdote. Tudo que neste livro tem bafio de velhas chalaças, ironias e sátiras é meu; e, se alguém por isso me arguir de pouco respeitador do vício e da tolice, retiro tudo.

Se o meu condescendente informador me permite, ouso dizer-lhe — para nos esquivarmos ambos às insídias da crítica portuguesa — que a demência de Marta não é extremamente original nem o meu romance uma singularidade incontroversa. O que, sem disputa, é original, é duvidar eu de que o sou.

Num Conto de Charles Nodier, autor remoto que se perde no crepúsculo da literatura arqueológica, há uma LÍDIA que endoideceu quando o marido, um barqueiro de limpo nascimento e generosa índole, pereceu num incêndio salvando três crianças e sua mãe.

Lídia enlouquece e cuida que seu esposo está no Céu de dia e a visita de noite. Ela, desde o repontar da aurora, sai ao jardim, e colhe flores para o brindar quando ele desce do azul com asas de penas de ouro. Ao cabo de seis anos deste sonhar delicioso, a ditosa doída, quando andava a recolher as flores dilectas para o bouquet das núpcias com o anjo de cada noite, sentou-se em dulcíssima sonolência e expirou.

As analogias de Lídia e Marta frisam pela visão dominante na demência de ambas — uma espécie de ressurreição do amado. No que elas diversificam essencialmente é que uma sonhou seis anos e a outra vai no trigésimo sétimo da sua demência; Lídia sonhou absorvida na sua ideal aliança com um celícola, um bem-aventurado com asas de ouro; Marta quando imerge alucinada no seu letargo, é a paixão leal ao amado sempre vivo na terra e no seu coração. Lídia passa as noites em amplexos do marido celestial; Marta, sem consciência da sua vida orgânica, tem cinco filhos, corno se arrancasse de si a porção ignóbil de seu ser e a rejeitasse ao sevo sensual do marido, ressalvando a alma dessa inconsciente materialidade. Quer-me, portanto, parecer que não há nódoa de plagiato no meu livrinho — uma coisa original como o pecado.

O leitor pergunta:

— Qual é o intuito científico, disciplinar, moderno, deste romance? Que prova o conclui? Que há aí proveitoso como elemento que reorganize o indivíduo ou a espécie?

Respondo: Nada, pela palavra, nada. O meu romance não pretende reorganizar coisa nenhuma. E o autor desta obra estéril assevera, em nome do patriarca Voltaire, que deixaremos este mundo tolo e mau, tal qual era quando cá entrámos.

São Miguel de Seide, Dezembro de 1882.