A Brasileira de Prazins/XIV

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Em Março daquele ano, 1846, os setembristas de Braga fomentaram os motins populares do concelho de Lanhoso. Na Inglaterra, na câmara dos comuns, lorde Bentinck explicou tragicamente, em frases pomposas, a origem dessa revolução, que um desdém indígena chamou . Ele disse que os Cabrais mandaram construir cemitérios; mas não os muraram; de modo que entravam neles cães, gatos e porcos-bravos em tamanha quantidade que chegaram a desenterrar os cadáveres. As nações e os naturalistas deviam formar uma ideia assaz agigantada do tamanho dos gatos portugueses que desenterravam cadáveres, e das boas avenças dos nossos cães com os referidos gatos na obra da exumação dos mortos, e não menos se espantariam da familiaridade dos javalis que vinham do Gerês colaborar com os cães e gatos naquela mineração das carnes podres das terras de Lanhoso. A origem pois da insurreição nacional de 1846 está definida nos fastos da Europa revolucionária. Foi ama reacção, uma batalha social à canzoada e gataria confederadas com o focinho profanador de porco-montês. E daí procedeu escreverem os jornalistas da Alemanha, um país sério, que a revolução do Minho era o . Os cadáveres servidos nos banquetes ilegais e nocturnos dos javalis, com a convivência de gatarrões a rosnarem com o lombo eriçado, e molossos de colmilhos ensanguentados foi caso que impressionou grandemente as raças tudescas, por ser um acto proibido pela Carta Constitucional. Quer fossem os setembristas de Braga, quer a alcateia das feras coligadas, o certo é que a insurreição do Alto Minho tabu esta província e a transmontana, devastando as papeletas impressas e os vinhos das tascas sertanejas. A guerra motivada pelos gatos ë seus cúmplices fez sofrer ao capital do país ama diminuição de 77 milhões e meio de cruzados, segundo o cálculo do ministro da Fazenda Franzini, muito retrógrado, mas um génio no algarismo.

O Zeferino das Lamelas, às primeiras comoções do vulcão popular, nos arredores de Guimarães, preparou-se; e assim que ouviu repicar a rebate em Ronfe, cheio de ciúmes como o sineiro de Notre Dame, agarrou-se à corda do sino, reuniu no adro os jornaleiros e vadios de três freguesias, e pegou a dar morras aos Cabrais com aplauso universal. Depois, explicou o que era o cadastro, confundindo este expediente estatístico com canastro: — que os Cabrais e os seus empregados andavam a tomar as terras a rol para empenharem Portugal à Inglaterra; que esses réis estavam nos cartórios das administrações e em casa dos regedores; que era preciso queimar as papeletas e matar os cabralistas.

Em seguida, invadiram a administração de Santo Tirso, quebraram as vidraças dos cartistas fugitivos e queimaram os impressos e quantos papéis acharam, no Campo da Feira. Depois, abalaram para Famalicão. Zeferino nomeara-se chefre da gentalha embriagada nas adegas arrombadas dos cabralistas, e alvitrou que se prendessem os regedores que topassem. Dizia que o Joaquim de Vilalva, nas eleições do ano anterior, muito socadas, cascara no povo e mais os cabos, na assembleia de Landim, cacetada brava. A bebedeira dos ouvintes dera à pérfida aleivosia do pedreiro vingativo o valor de facto histórico. O plano de Zeferino era abrir oportunidade a que José Dias fosse assassinado ou, pelo menos, preso e degredado como cabralista.

Vilalva ficava-lhes a jeito, no caminho de Famalicão. O amante de Marta ouvira grande alarido e vira ao longe a multidão que galgava um outeiro turbulentamente. Viase desfraldado no ar, em oscilações largas, o pano escarlate de uma bandeira: era um pedaço do velho estandarte que servia nas procissões de Santa Maria de Abade. José pediu ao pai que fugisse. O regedor disse que não — que nunca tinha feito mal a ninguém, nem sequer prendera um refractário: que o mais que podiam fazer era tirar-lhe o governo.

José Dias tinha medo às cobardes ameaças do Zeferino; diziam-lhe que o pedreiro jurara matá-lo, e já constava que era ele o chefe da guerrilha, em que se alistaram todos os ladrões e assassinos conhecidos na comarca. A mãe empurrava-o pela porta fora — que fugisse para Caldelas; que não fosse o Diabo armar-lhe alguma trempe por causa da Marta, da tal bebedinha que não dera cavaco ao pedreiro. Ele deitou o selote à égua e fugiu a galope; mas o regedor, com a sua consciência ilibada, esperou os revoltosos com o Zeferino à frente, brandindo a espada do pai, que não se desembainhara desde o ataque a Santo urso.

— Está você preso por cabralista! — intimou o pedreiro, deitando-lhe a mão à lapela da véstia; e voltado para a turba: — Rapazes, cercaide a casa; tudo que estiver, preso!.

— Os meus filhos saíram; mas entrem, busquem à vontade — disse o regedor; e, olhando para o pedreiro, ironicamente: — Ah seu Zeferino, seu Zeferino, você não veio aqui para me prender a mim... É outra história que você lá sabe. Isto de mulheres são os nossos pecados, mestre Zeferino...

— Não me cante! — bradou o das Lamelas com furiosos arremessos. — Está preso, e mexa-se já para a cadeia.

— Você não pode prender-me, mestre Zeferino — contrariou a autoridade dentro da lei. — Vá buscar primeiro unia ordem do meu administrador ou do governador civil.

— Já não há governador civil! — explicou o caudilho. — Agora são outros governos, seu asno! Quem reina é o Sr. D. Miguel I. E você não me esteja aí a fanfar, que eu já não o enxergo. Ande lá para a cadeia, com dez milhões de diabos!

O regedor entrou em Vila Nova de Famalicão na onda de alguns milhares de homens e rapazes que davam vivas a D. Miguel, às leis novas, à santa religião e morras aos cabralistas. Quando queimavam os papéis, um brasileiro setembrista, o Sá Miranda, disse ao comandante que não convinha por enquanto aclamar D. Miguel; que dessem morras ao governo e vivas à religião. Nesta barafunda, o regedor preso entre meia dúzia de jornaleiros que discutiam as leis velhas e as novas na taverna do Folipo, compreendera um aceno do taverneiro e fugira pelos quintais. Meteu-se ao caminho de Braga, onde estava o general conde das Antas. O José Dias, receando que o perseguissem em Caldelas, refugiara-se também em Braga e alistou-se no batalhão dos serezinos comandado pelo cónego Monte Alverne.

Neste meio-tempo, chegou da América o Feliciano Rodrigues Prazins, tio de Marta. Demorou-se poucos dias. Ganhara medo que o roubassem as guerrilhas. Foi para o Porto pôr em segurança as suas letras e voltou quando a queda dos Cabrais garantia o sossego dos capitalistas. Na volta a Prazins, olhou mais atentamente para a sobrinha, deu-me alguns cordões, e disse ao irmão que não se lhe dava de casar com ela. O Simeão afirmou logo com um descaramento perdoável: — que não se fosse sem resposta o mano, que a moça dava o cavaco por de.

Feliciano tinha quarenta e sete anos. Não se parecia com a maioria dos nossos patrícios que regressam do Brasil com unia opulência de formas almofadadas de carnes socadas. Era magro esqueleticamente, um organismo de poeta sugado pelos vampiros do spleen. Dizia, porém, que tinha febras de aço e nunca tomara remédios de botica. Muito míope, usava de monóculo redondo num aro de búfalo verde. Como era económico até à miséria, dizia-se em Pernambuco que o Feliciano usava um vidro só para não comprar dois; e que, se pudesse, venderia um olho como coisa inútil. Com a economia e o trabalho bem propiciado em trinta anos arredondara trezentos contos. Chegara aos quarenta e sete, ao outono da vida, sem ter amado. Nunca se conspurcara nos latíbulos da Vénus vagabunda. A sua virgindade era adnnrada e notória; depunham a favor dela os seus caixeiros, os feitores, e — o que mais é — as suas escravas. Os seus patrícios devassos chamavam-lhe o Feliciano Pudicício. Ele não se envergonhava de confessar a sua castidade ao pároco de Caldelas. Tinha vivido como um dessexuado; — que trabalhava muito nos seus armazéns, que dormia poucas horas, e não dava folga ao corpo nem pega aos vícios. Originalíssimo. Que lhe saíram casamentos ricos; mas que ele para ser rico não tinha precisão de mulher; que vira algumas meninas pobres a namorá-lo; mas que desconfiara que lhe namorassem o seu dinheiro. Não tinha queda para o sexo, que ele dizia seixo. Numa palavra, estava virgem. Ele podia dizer como Hamlet. Não me deleitam os homens nem tão-pouco as mulheres.

A sobrinha reformara aquela natureza aleijada. Talvez o desdém com que Marta o tratava na crise da sua paixão, fosse grande parte no amor do brasileiro. Além disto, a moça, muito parecida com ele na delgadeza das formas, tinha encantos que dispensavam a esquivança para se fazer amar de um homem de quarenta e sete anos — intacto demais a mais. O presente que lhe fez de uma meada de cordões de ouro significava uma desordem, pelo menos interina, na sua condição sovina. Marta aceitou a dádiva sem entusiasmo nem alegria. Lembrava-se que o pai a prevenira da possibilidade de ser mulher de seu tio, se adregasse gostar dela. Quando o tio lhe deu os cordões, teve-lhe uma náusea, um quase-ódio, suspeitando-lhe os projectos; e quando ele fugiu para o Porto, com medo às guerrilhas, sentiu ela uma satisfação incomparável. Entretanto, apesar das más informações do brasileiro da Rita Chasca, o Feliciano sentia filtrar-selhe nas células impolutas do coração o veneno doce de uma paixão cheia de condescendências, pouco superciliosa em pontos de honra, como quem pensa que no tálamo conjugal não se faz mister a virgindade em duplicado. Mas não era assim que ele pensava. Ninguém lhe desdourara a honra da sobrinha, nem o derriço com o José Dias fazia implicância à sua honestidade. Ele não tinha os rudimentos de malícia necessária para desconfiar que uma menina de dezasseis anos, criada nos seios da natureza imaculada de uma aldeia do Minho, pudesse abrir de noite uma janela, debruçar-se no peitoril e ajudar a subir um homem. O oficial do pedreiro é que sabia casos, anomalias, desde aquela noite em que o luar o enganou.

Marta ouvira aterrada a noticia que o pai lhe deu da vontade do tio. Irritou-se. Tinha sido criada com muito mimo, sem mãe, voluntariosa, e com uns ares senhoris que desautorizavam o respeito que o pai, rústico lavrador, não sabia incutir. Em vez de chorar corno as filhas desgraçadas e humildes, respondeu desabridamente que não casava com o tio; que o desenganasse, se quisesse; e, se não quisesse, ela o desenganaria. A terrível nota golpeara-lhe o coração cheio de saudades de José Dias, que lhe escrevera de Braga, por intervenção do padre Osório, dando-lhe coragem e esperança no casamento logo que cessasse a guerra. Foi esse alento que a revoltou contra o pai quando ele instava com ela a casar com o tio, que era talvez, dizia, o homem mais rico de Portugal, abaixo do rei. Marta replicava com trejeitos de tédio desdenhoso; e, exaltada pela boçal insistência do pai, protestava, se a apoquentassem, atirar-se ao rio como sua mãe.

O Simeão perdeu a vontade de comer; andava atordoado numa tristeza estúpida a dar uns ais pela casa que pareciam mugidos de bezerro perdido na serra. A pequena já não queria ir à mesa, metia-se na cama e fingia-se doente para não encontrar o tio Feliciano.

José Dias e o pai permaneciam em Braga, porque em diferentes pontos da província continuavam as agitações miguelistas; o novo ministério não tinha força, e o Zeferino das Lamelas nunca depusera as armas. Os serezinos faziam excursões e batiam os realistas ou prendiam os agitadores. José Dias, numa dessas surtidas a Vila Verde, a pé e com pouca saúde, ganhara uma bronquite que o teve de cama largo tempo. Quando se levantou, numa aparente convalescença, a tísica tuberculosa recrudescia pessimamente caracterizada. O padre Osório fora visitá-lo, ouvira o médico e sabia que o seu amigo estava perdido. Falou ao pai, em particular, no estado do filho. Lembroulhe a sua promessa de consentir no casamento com a pobre Marta, que se perdera confiada nos compromissos do José. O lavrador mostrou não perceber a conveniência de Marta em casar, se o seu filho tinha de morrer cedo. — Que a viúva, dizia, nada ganhava com isso, porque os herdeiros de José eram seus pais. Não compreendeu a questão por outra face. Mas, apertado pela palavra que dera, repetiu que ele pela sua parte concedia a licença, se a mãe a desse; e justificava-se deste respeito à mulher, alegando que a casa de Vilalva era toda da sua companheira, e o que ele levara para o casal não valia dois caracóis.

— Enfim — concluía — se o rapaz arrijar, casa querendo a mãe; mas, enquanto ele assim estiver, faça favor de lhe não falar na rapariga... Bem lhe basta o seu mal... E um homem que está doente deveras não deve pensar em mulheres, é na salvação da sua alma. Eu penso assim, amigo padre Osório.

— O vigário aprende o padre-nosso — dizia o de Caldelas.

Entretanto, o doente, muito animado, não sentia aqueles desalentos e presságios de morte que meses antes o afligiam. Habituara-se ao sofrimento; já não tinha memória das perfeitas delícias da saúde. Quando expectorava sem violência, e a dispneia cedia aos xaropes e ao pez de Borgonha, julgava-se numa quase-completa restauração. Escrevia ao Osório e a Marta com muita alegria e devotos agradecimentos a Deus e a Maria Santíssima, com quem se apegara fervorosamente desde que padecia, e também com o óleo de fígado de bacalhau.

A repugnância de Marta, face a face do tio Feliciano, seria um afrontoso desengano para o milionário, se não interviesse o implacável e engenhoso ciúme de Zeferino. Este chefe de guerrilha em armistício soube que o brasileiro queria casar com a sobrinha e que o José Dias estava em Braga muito acabado, a dar à casca. O pedreiro chamou os bravos da sua jolda e fez-lhes saber que o brasileiro de Prazins pedira para Famalicão um regimento da divisão do Antas para deitar cerco às casas dos realistas, e sujeitara-se a sustentar o regimento à sua custa. Resolveram atacar o Feliciano, prendêlo como cabralista, e fazê-lo pôr à má cara o dinheiro que havia de dar à tropa. Um dos da malta, vizinho do brasileiro, o Metro, tinha-o convidado para padrinho de um filho. Procurou-o às escondidas e avisou-o que se escondesse. Feliciano fugiu para o Porto a toda a pressa. Queria que a sobrinha também fosse. Escrevia-lhe que, se quisesse ir, compraria casa no Porto. Marta respondia que estava muito doente, que não podia sair da cama. O pai chegava a descompô-la: — Que não tinha moléstia nenhuma, que era por causa do Zé Dias; mas que perdesse dai a ideia porque estivera com o Dr. Pedrosa, de Santo Tirso, que o vira em Braga, e lhe dissera que o Dias estava ethego e mais mês menos mês esticava a canela.

Marta respondia com serenidade de alma forte, e escorada numa resolução suicida:

— Se não casar com ele neste mundo, casarei no outro.

— Que te leve o Diabo! — resmungava o Simeão, riçando freneticamente as suíças. Depois voltava manso e velhaco à beira do leito: — Olha, menina, teu tio está velho e esmagriçado. Aquilo não pode ir longe. Tu ficas para aí podre de rica, e podes casar depois com um fidalgo, se quiseres...

— Valha-me Nossa Senhora! — murmurava Marta, pondo os olhos na litografia da Mãe de Jesus traspassada das sete espadas. — Quem me dera morrer...

A tísica do José Dias com as frialdades húmidas de Novembro entrou no segundo período. Recrudesceram as dores de peito e a dispneia, com acessos febris nocturnos. Expectoração esverdeada com estrias amarelas, e extrema magreza com repugnância a todo o alimento. Pela auscultação ouvia-se-lhe o som gargarejado do fervor cavernoso. Os médicos disseram ao pai que o tirasse de Braga, das incomodidades da estalagem, e o levasse para casa, onde lhe seria mais suave a morte na sua cama, com a assistência da família. Foi para Vilalva transportado numa liteira, e dizia ao pai que se sentia melhor, que respirava mais desafogado; e que, se há mais tempo tivessem saído de Braga, já ele estaria rijo.

A mãe, quando o viu entrar tão acabado, tão desfigurado, fez um berreiro descomunal, e não teve mão em si que não rogasse pragas à Marta, que lhe matara o seu querido filhinho. As vizinhas concordavam: — que diabos levasse a mulher que o tolhera!

O doente afligia-se, chorava como criança, e pedia ao pai que o deixasse ir para Caldelas, para casa do seu amigo; que não podia ver a mãe; que lha tirasse de diante dos olhos; e que, se ele tivesse de morrer, que lha não deixassem ir à beira da sua cama. E fazia trejeitos furiosos, com os olhos a estalar das órbitas escavadas, incendido pela febre.

Chegou o padre Osório, e o doente aplacou-se sob as consolações calmantes do seu santo amigo. Deitou-se, com promessa de ir no dia seguinte para Caldelas; mas nunca mais se levantou, nem fez inúteis esforços.

Osório não o desamparou. Ia à sua igreja dizer a missa dominical e voltava para Vilalva com as respostas de Marta aos bilhetes que José lhe escrevia — poucas linhas em que ainda por vezes lampejavam alegres esperanças.

Toda a influência de Osório não conseguiu que o enfermo recebesse a mãe no seu quarto. Não lhe podia perdoar o ódio que ela tinha a Marta; e bradava que a fazia responsável perante Deus da desonra da desgraçada menina. A velha escutava estes tremendos emprazamentos para a eternidade, e dizia de si consigo, a beata: — bem me fio eu nisso.

Por fim, já não podia escrever, nem levantar a cabeça no travesseiro; mas perguntava ao Osório se tinha notícias de Marta; que pedisse ao irmão que fosse lá, e lhe dissesse que ele estava mais doente e não podia escrever.

Um desses recados motivou o bilhete que se copiou na Introdução deste livro, e que o moribundo já não pôde ler. Desde que a mãe lhe meteu à força dentro do quarto o vigário com a extrema-unção, um homem de opa com a campainha, outro com a água benta na caldeirinha, mais dois com tochas, e outros com a sua devota curiosidade, o moribundo caiu na modorra comatosa, e apenas, com longos espaços, tinha mis acessos sibilantes de ligeira tosse seca. Abria então os olhos, que fitava no rosto de Osório, e às vezes circunvagava-os espavoridos como em busca da visão espectral da mãe, que o vigário de Caldelas cuidadosamente e com doloroso constrangimento defendia de entrar à alcova.

Em Prazins ouvia-se dobrar a defunto em Vilalva. Marta perguntou ao pai quem tinha morrido.

Ele respondeu serenamente:

— Dizem que foi o Dias que está com Deus. Reza-lhe por alma, que é o que ele precisa agora.

Marta deu um grande grito, e com as mãos na cabeça, a correr, deitou a fugir pelos campos. Ela sabia onde era o remanso fundo do rio Ave em que a mãe se suicidara. O pai correu atrás dela, a gritar, que lhe acudissem. Fora da aldeia, andava uma roça de mato, com muitos jornaleiros, que correram todos atrás de Marta, e a levavam quase apanhada quando ela caiu, a estrebuchar, em convulsões. Conduziram-na para casa com os sentidos perdidos, e puseram mulheres a vigiá-la na cama. Esta nova chegou a Caldelas. D. Teresa, a irmã do padre Osório, foi com o irmão a Prazins, e convenceram o Simeão a deixar ir a filha para a companhia deles algum tempo.

Marta chorava muito, abraçando-se no amigo de José Dias; e ele, quando o lavrador com impertinência dizia à filha: , observava-lhe com azedumes:

— Deixe-a chorar, deixe-a chorar! — E voltando-se para a uma: — A estupidez é cruel!