A Esperança Vol. I/Maria Isabel/XVI

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XVI

Alvitre intempestivo

No dia seguinte appareceu Amaral. Vinha visitar a snr.a D. Ermelinda e mostrou-se muito admirado de ver Maria Isabel. Esta parecia perturbada, o que não desagradou ao cavalheiro, que lhe fallou com interesse e pezar. Os seus novos motivos de tristeza o commoviam, dizia elle, excessivamente; e acrescentou:

― Sei o que é perdeer alguem que se ama. E estou talvez em vesperas de soffrer um d'esses golpes que nos deixam a alma amargurada por muito tempo.

A allusão á morte de D. Maria Carlota fez derramar lagrimas á filha infeliz. Amaral continuou, voltando-se para Ermelinda:

― Minha esposa, a sua boa amiga, esta cada vez peior.

― Que pena! exclamou Ermelinda levando o lenço aos olhos. E accrescentou passado pouco:

― Mas v. exc.a é novo e tem muitos merecimentos e muita riqueza, achará logo outra esposa que o console da perda que vai soffrer.

― Oh! nunca, nunca! A sua morte fará a minha desesperação!

E sahiu, como se na verdade estivesse já desesperado.

― Se eu percebo!.. pensou a infame mulher. Se a pequena perde a esperança de casar com elle, de que serve a fabula da morte de sua mulher?

Amaral com ideias mais delicadas tinha calculado melhor.

Aquelle alvitre de achar a consolação em novo matrimonio, quando vivia ainda a esposa de Amaral, revoltára Maria Isabel.

Quando as duas ficaram sós, disse Ermelinda:

― E por fim de contas ha-de casar logo que fique viuvo. Precisa de quem o console e de quem tome conta na casa; e ha-de fazer feliz a sua nova esposa: tem uma alma e um coração como não ha outro.

A donzella retirou-se descontente. Foi fechar-se no seu quarto.

O grosseiro modo de pensar da sua parenta desgotava-a. Estava, pensava ella, morrendo uma sua amiga e achava muito rasoavel que o marido d'ella pensasse já em dar-lhe substituta! Queria desculpal-a e não podia.

― E' minha bemfeitora, pensava comsigo, mas não posso deixar de conhecer que tem idéas muito abjectas.

No entanto escrevia Ermelinda a Amaral:

― «Não posso saber o que a pequena pensa de ti. Não disse nada depois que sahis-te, e fechou-se no quarto. Creio que está pensando que póde tratar d'outro arranjo. Que diabo!.. Tu tens ás vezes encartadas!.. Em vez de te utilisares do caminho que te abria, tapaste o caminho, e déste ás de Villa Diogo, sem quê nem para que, por esse mundo além!..

Recebeou poucas horas depois a seguinte resposta:

― «Minha velha Ermelinda, disseste que não espantasse a caça, e és tu que a espantas. Minha mulher está ainda viva e já fallas em dar-lhe successora!.. Aprende a ter maneiras mais dignas, e fallas mais delicadas, senão nada feito. A menina, a que chamas pequena, não é da tua estofa. Vê como te portas. Finge melindre e recato. Se ella te toma má fé, não faremos nada, e perderás o premio dos teus trabalhos e eu a recompensa do meu amor. Prudencia, pois. Até á noite.»

Dois dias depois recebia Maria Isabel uma carta de Carolina [ou que tomou por isso] em que lhe dava muitos conselhos, que todos se cifravam n'este: ― Amar e respeitar a bondosa fidalga que lhe dava abrigo e conservar-se na casa d'ella.