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A Esperança Vol. I/Maria Isabel/XV

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XV

A pomba entre milhafres

Maria Isabel ficou agitada. Passeou no quarto murmurando o nome de sua mãe, e derramando algumas lagrimas. Depois olhou por todo o quarto em busca de alguma imagem da Virgem ou de Christo; e não achando o que buscava, ajoelhou, voltada para a janella, ergueu os olhos e as mãos para o céo e rezou. Levantou-se mais animada. Assentou-se perto da janella, e estendeu a vista pelos campos, arvoredos, e casas que se lhe apresentavam n'um lindo panorama. A vista da naturesa acabou de lhe tirar o susto que só o nome de Villar lhe causára. Esqueceu Amaral, e ficou pensando em seus paes, e depois em Francisco e Maximino, que na vespera a tinham encontrado desmaiada. Os primeiros pensamentos fizeram-n'a chorar, os segundos secaram-lhe as lagrimas e inrubreceram-lhe as faces. Francisco lhe dissera, que Maximino a amava. Seria isto verdade? O coração dizia-lhe que sim. E comtudo não devia voltar a vel-o. Começaram-se-lhe de novo a humedecer os olhos, quando ouviu ruido. Enchugou á pressa a traiçoeira lagrima, que lhe assomára ás palpebras, como se receiasse que ella tivese o cunho de lagrima de ternura e saudade amorosa.

A porta abriu-se. Ermelinda entrou. A donzella ergueu-se e foi ao encontro da sua hospedeira; cumprimentou-a, e agradeceu-lhe os cuidados e delicadeza com que a tratava, acrescentando, que desejava ser tratada mais conforme ás suas circumstancias.

— O' minha linda menina, replicou a viuva, tudo o que eu tenho lhe pertencerá... Não estou resolvida a tornar a casar, e quero adoptar por filha a sobrinha de meu defunto marido. Tenha pois a complacencia de contentar-se com o tratamento que posso e quero dar-lhe. Mas a minha querida filha que me queria? Falle sem receio. Ainda que eu sou muito nova para poder ser sua mãe, esqueça a minha idade, e falle-me como se fosse minha filha.

Se a donzella não estivesse tão triste, sorriria. Ermelinda, apezar dos arrebiques, mostrava mais idade, do que a mãe de Maria Isabel.

A menina titubiava. Envergonhava-se de fallar do offerecimento de Amaral. Ermelinda instou com ella para que lhe abrisse sua alma.

Maria Isabel a final contou succintamente o que lhe succedêra, occultando só o nome de quem lhe offerecêra casa em Villar, e de quem a avisára que desconfiasse d'essa generosidade.

― Minha filha, disse Ermelinda, para eu lhe servir de mãe, é preciso que saiba quem era esse homem que lhe fazia offerecimentos, para poder conjecturar se seriam offerecimentos sinceros ou cavillosos.

A filha de D. Maria Carlota, disse, constrangida, o nome de Amaral.

― Ah, minha filha! exclamou Ermelinda, Amaral é um homem virtuoso e liberal. Acredito a minha palavra; elle só queria protegel-a. Se soubesse as boas obras que aquelle santo faz!... Está cá, e está no paraiso. Elle faz-me a honra de ser meu amigo; e quando vem passear para estes lados tem a bondade de me vir visitar.

― Minha senhora, quando elle vier, ha-de permittir que eu me recolha ao quarto. Não quero ver gente, e particularmente desejo evitar o encontro do snr. Amaral. Estou agora persuadida que as suas intenções eram puras; mas sentiria pejo ao vel-o, por ter tido ideas tão aviltantes para elle e para mim.

― Ora, minha filha, que sabe que teve essas idéas? Appareça-lhe e mostre-lhe boa cara. Deve essa reparação ao homem generoso e honrado, que tem a alma innocente como a d'uma criança.

― Mas elle deve estar offendido pela maneira com que me portei. Acceitei o seu offerecimento e fui para outra casa sem lhe dar a minima desculpa.

― Não conhece aquelle fidalgo! Tem uma bondade a toda a prova. Fallou-me de v. exc.a uma vez, lamentando a sua desgraça, e não disse nada do offerecimento que lhe fizera, nem da recusa que teve o offerecimento. Carpia o seu infortunio como carpiria a desgraça d'uma filha querida.

Durou ainda algum tempo este dialogo. Quando se separaram, Maria Isabel pediu á sua hospedeira tinta e papel para escrever a Carolina e a seu filho.

Miquelina trouxe logo os aprestes para escrever, e disse, pousando tudo n'uma mesinha:

― Isto não é muito proprio para fidalgas. A senhora D. Ermelinda gosta pouco de pôr preto em branco, mas ha-de arranjar tinteiro mais aceado. Gosta de tudo bom. Quando v. exc.a tiver escripto, fará favor de tocar, para eu levar d'aqui estas porcarias, e para mandar a carta pelo nosso paquete, que vai logo á cidade.

Emquanto Maria Isabel escrevia aos seus bemfeitores, escrevia Ermelinda a seguinte carta:

― «Amaral, nãi venhas cá hoje. Tem'me custado mel d'odres a reter a pomba no pombal. Esta tua rapaziada dá-me que fazer. Aquella, a quem não queres que chame minha parenta, fugiria se eu lhe não chamaess filha, e a não aconselhasse como mãe, ainda que não tenho idade para ter filhas tão taludas. Ella percebeu que estava em Villar, e assustou-se por causa da tua offerta. Creio que foi o marujo de má morte que lhe disse mal de ti. Eu tenho-lhe dito muito bem, e ella está já sem suspeitas a teu respeito; mas sabe que és casado e isso é o diabo!.. Quando cá vieres mostra-te muito triste e dize que tua mulher está sem esperanças de vida. A rapariga parece-me que é d'aquellas que quer casar seja com o diabo. Está escrevendo ao marujo e á mãe. Não te assustes. Eu é que hei-de receber as cartas, e que responderei em lugar da mãe do marujo. Adeus. Manda-me dinheiro, e nada de imprudencias. Não espantes a caça como costumas muitas vezes. Estás tão tole e tão rapaz como quando me dizias: ― Minha Ermelinda, meu amor, morro por ti! ― Tratante!.. Agora morres por outra!.. O que me consola é que não tardará o dia em que tu a trates como agora me tratas. Não receies nada; servir-te-hei como sempre. Manda dinheiro, já que hoje cá não vens: só se quizeres vir ás horas d'hontem. Repito-te o que hontem te disse á saída, corres risco de te apaixonares, como te apaixonaste por mim, a tua primeira victima ― Ermelinda