A Luneta Mágica/II/L

Wikisource, a biblioteca livre


Vi-me pálido, abatido, desfigurado, vi-me outro, e muito diferente, do que eu ainda era um mês antes... vi meus olhos encovados, e meu olhar inquieto, cheio de flamas, e como que temeroso... vi sem dar importância ao que via, os senões e talvez os dotes físicos do meu semblante...

Eu estava ansioso pelo fim dos treze minutos; quase que não tinha consciência do que estava por força vendo... eu tremia, e esperava a visão do futuro: era a minha idéia exclusiva.

De súbito estremeci violentamente.

Oh! sem que eu nisso cuidasse, sem que eu com isso tivesse calculado, oh!... cheguei antes da visão do futuro à visão do mal!...

E quereis sabê-lo?... vi a minha perversidade!...

Meu Deus! isto e necessariamente mentira, ou castigo; meu Deus! eu não sou assim!...

Vi que sou o mais infame caluniador, e inimigo dos meus parentes! Vi que em frenesi de malvadeza infernal assaco aleives contra os homens, atiro aleives sobre nobres senhoras, e inocentes donzelas, ouso insultar ao pé dos altares os sacerdotes, respiro o mal, vivo do mal, semeio o mal...

Eu estava em convulsão... detestava-me... tinha horror de mim próprio, desprezo pela minha torpe individualidade, vi-me tão imundo, tão profundamente vil e asqueroso, que desejei cuspir, e, se pudesse, teria cuspido no meu rosto.

Vi-me ainda venenoso como a pior e a mais enraivada das serpentes; vi-me em fúrias de enraivadas atrocidades, possesso do demônio, vi-me morder em delírio todos os seres da criação, e maldito hediondo, horroroso, ultrajando a Deus, o criador.

Soltei um grito de pavor indizível, e apertando desesperado os dedos, quebrei, fiz em migalhas a luneta, e sem sentir a dor da mão ferida e ensangüentada pelos pedaços de vidro que tinham nela se entranhado, fui cair no leito chorando desabridamente, e por entre dolorosos soluços, bradando em alta voz:

— Perdão!... perdão!... perdão!...