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A Luneta Mágica/II/VII

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A visão do mal, o conhecimento das paixões ruins, dos vícios, dos intentos pérfidos ocultos nas dobras negras dos primeiros corações humanos que eu devassara com a minha luneta mágica, dos três corações, em que eu mais confiava, e que mais amava, começavam a produzir no meu espírito os seus naturais efeitos.

Se meu irmão, minha tia e minha prima, os únicos parentes que me restavam no mundo, os dois primeiros que me haviam criado desde bem tenros anos, Anica que fora minha camarada da infância, quase minha irmã, assim tão cruelmente me enganavam, que podia eu esperar dos estranhos e dos indiferentes?...

E o armênio aconselhar-me que me abstivesse da visão do mal! que erro! devo eu preferir viver iludido e vitima cega, estúpida, entregue de corpo e alma àqueles que abusam da minha inocência e simplicidade para sacrificar-me ao seu egoísmo e à sua ambição criminosa ?

— Oh! mil vezes. não! a visão do mal me envenenará talvez a vida; mas há de ser o meu escudo contra os pérfidos, e me acenderá luz para livrar-me dos laços da traição.

Eu sinto já que a minha miopia moral vai se desvanecendo sob o influxo de uma ciência amarga, desconsoladora, triste, comprimente; a ciência do mal; em todo caso porém ciência.

Eu já compreendo e reflito; já sei meditar, e resolver por mim; não sou mais o pupilo perpétuo do mano Américo. A visão do mal emancipou-me.

Dói-me ter perdido a suave, a deleitosa crença da lealdade do amor dos parentes; dói-me, porém acabo de perdê-la.