A Luneta Mágica/II/XLIV
Passaram pouco mais ou menos assim cinco dias.
Eu me sentia perfeitamente restabelecido; mas o médico teimava em administrar-me colheres de uma preparação que ajudada de severa dieta debilitava-me cruelmente.
Este tratamento martirizava-me; no quinto dia obtive que se suspendessem as malditas colheres de remédio que me estavam prostrando; mas ainda me ficou a dieta apenas ligeiramente modificada no sentido reparador.
Apesar disso o médico me convinha: achei nele o meu protetor, e, o que é mais, o defensor dos meus direitos de posse absoluta da luneta mágica. Ouvi-o por mais de uma vez lançar o ridículo sobre os meus três ferozes parentes que teimavam em sustentar a conveniência de despojar-me do meu tesouro.
Estimei, amei, adorei o excelente doutor, o único homem, que eu tinha encontrado com bastante amor à verdade para sustentar que eu não estava doido, e que não tinha receio da minha luneta, cujo poder, se eu nisso acreditava, era, dizia ele, apenas inocente mania facilmente curável.
Esta última apreciação, que era um erro, talvez notável contradição de médico, pois se havia em mim tal manta, era fácil que ela me levasse à perda completa do juízo, essa contradição, que bem podia ser um recurso de consolação empregado pelo doutor, por fim de contas me era útil, e tão agradecido me reconheci que deliberei não fitar a minha luneta no doutor.
Eu devia-lhe tanto, que preferi viver enganado com ele a expor-me a descobrir sentimentos repugnantes nesse homem.