A Luneta Mágica/II/XXX
Asseveram que estou doido, e eu me sinto no pleno e perfeito gozo de minhas faculdades mentais.
Mas de que me aproveita a consciência do meu estado, a certeza de que estou em meu juízo, se o mano Américo, a tia Domingas, a prima Anica, e toda a população do Rio de Janeiro me declaram doido ?
A opinião pública que dizem ser a rainha do mundo decretou que me acho vitima de alienação mental.
Vitima concordo que eu esteja sendo; mas alienado?... Protesto.
Doido por quê?... Porque tenho o privilégio de descobrir o mal que se dissimula; e porque não há máscara de hipocrisia, que resista à minha luneta mágica!
Doido! . . .
Ah! quantos homens de juízo não andarão por aí declarados doidos somente para que os golpes certeiros de suas palavras terríveis percam a força, com que devem ferir e despedaçar a imoralidade, os vícios ignóbeis e até os crimes de grandes figurões?...
Eu não creio, não posso mais acreditar na bondade ou na virtude de homem algum; todos são mais ou menos ruins, falsos, e indignos; há porém alguns que sem dúvida com o fim de ser mais nocivos aos outros, e para produzir maior dano, têm o merecimento de dizer a verdade nua e crua, e chamar as coisas pelos seus nomes próprios tornando-se verdadeiros e francos certamente ainda por maldade.
Pois bem: esses perigosos faladores são em breve denunciados ao publico sempre enganado, como — doidos.
Conversem um pouco e em voz baixa com a nossa capital, e hão de reconhecer os fundamentos desta observação.
Um exemplo: um desses homens de palavra solta e descomedida declara sem cerimônia e declinando nomes que tal e tal sujeitos que chegaram a titulares e são considerados, lisonjeados e adulados pela sua riqueza nas mais elegantes sociedades, mereciam antes estar ria casa de correção por terem enriquecido com abusos escandalosos e crimes, de que ele faz a história.— É doido.
Outro exemplo: um jornalista que escreve sem luvas de seda, chama na imprensa ao ministro que dilapida, dilapidador ao funcionário ou administrador que rouba, ladrão; e assim por diante sem limar o verso para que não fira. Que doido!
Terceiro exemplo: um desastrado falador diz a um pai cego e doido pelos filhos: — "os seus filhos são vadios e procedem indignamente;"— a um esposo de quem é amigo:— "a vida repreensível que vives, a depravação de teus costumes não só te nodoam, como talvez preparem a vergonha da tua casa... não desesperes tua pobre mulher: corrige-te". É doido, absolutamente doido.
E esses e outros semelhantes são doidos, e eu também estou doido; por que?...
Porque na sociedade a maior prova, o mais seguro sintoma de loucura é dizer a verdade sem rebuço, mesmo quando a verdade pode ser desagradável ou ofensiva.