A Luneta Mágica/II/XXXI
E em certos casos de que vale a consciência ao homem contra s guerra teimosa e perversa dos outros homens?...
Nem Hércules contra dois; que poderá um contra todos?...
Aqui estou eu certíssimo de me achar em meu perfeito juízo e com serias apreensões de ver-me obrigado a endoidecer em breve.
Os meus parentes, os meus conhecidos, e todos crêem ou fingem crer, e dizem, proclamam, gritam por toda parte que estou doido.
Há situação mais horrível e ameaçadora?...
Considere-se cada qual no meu caso.
Em casa apenas levantado da cama, e durante o dia todo a família os parentes com hipócritas aparências de compaixão a repetiram mil vezes: — "coitado! está doido..."
Os falsos amigos em suas visitas dizerem-me: — "trate-se! creia que a sua cabeça não está boa..."
Na rua, no passeio, no teatro, em toda parte uns a rir e a gritar: — "está doido!"; outros com voz lastimosa a murmurar: — "pobre moço! está doido".
Durante a noite guardas possantes velando no quarto do doido.
E oito, quinze dias seguidos, um mês, família amigos, conhecidos, desconhecidos, toda a população de uma cidade a repetir de hora em hora, de minuto a minuto, incessantemente: — "está doido! está doido! "
Quem seria, quem é capaz de resistir a semelhante impulso violento para a loucura?...
De que vale em tais casos a própria consciência contra esse acordo geral que a condena?...
O homem mais forte cede exasperado à convicção de todos, e em breve prazo começa a duvidar de si...
E desde que começa a duvidar de si, começa a enlouquecer...
Oh! é horrível!... e um martírio que os algozes mais ferozes nunca imaginaram!
Mas eu hei de reagir!
Zombarei da fúria desses monstros que se chamam homens.
Sinto-me grande, porque sou um a assoberbar a todos.
E para assoberbá-los é condição indispensável sofrer com frieza, resignação, e sem desesperar: saberei fazê-lo; e além da frieza e da resignação no sofrimento, é também essencial o mais profundo desprezo da humanidade.
Oh! é impossível que eu a despreze mais!