A Luneta Mágica/III/X
Entrei.
Eu achava-me fatigado do longo passeio e pedi licença para descansar alguns momentos.
Sentei-me e respirei afadigado.
O Reis se conservou em silêncio ate que lhe perguntei:
— O armênio?
— Sem dúvida está no seu gabinete; não o preveni.
Eu não posso ver o que porventura terá de se passar dentro em pouco; conto com a sua condescendência para referir-me por miúdo o que não me 6 dado apreciar pela vista.
— Pode estar certo disso.
— Bem; já descansei: vamos procurar o armênio.
O Reis tomou-me o braço e disse:
— Vamos; se ele é, como pretende, verdadeiro mágico, deve ter adivinhado a sua visita; se o não é, surpreendê-lo-emos ou descuidado, ou dormindo.
E tínhamos apenas avançado um passo, quando o armênio mostrou-se à porta do fundo do armazém, trazendo na mão uma lanterna furta-fogo.
— Eu adivinhei a tua visita, mancebo, disse ele.
E fitando o Reis, acrescentou:
— Reconheça-me pois verdadeiro mágico.
O Reis não respondeu; evidentemente ficara confundido.
O armênio adiantou alguns passos para nós, e dirigindo-se a mim, disse-me:
— Criança! não te acuso pelo que fizeste: a tua desobediência aos meus conselhos era um fato previsto pela magia; es homem, tinhas de errar, como erraste.
— Não errarei outra vez, balbuciei humildemente,
— Errarás sempre, e tornarás a desobedecer-me.
— Não!
— Vê-lo-ás.
— Então conseguirei deveras outra luneta mágica?
— Sim, se a exiges.
— Peço-a de joelhos.
— Criança! para que teimas em querer ver?...
— Porque ver é viver.
— Eu te anunciei da outra vez que o que me pedias era o mal, o gelo do coração, o ceticismo na vida, e sabes que não te enganei.
— Mas ao menos eu vi, e agora de novo me acho cego.
— Criança! tu escolheste um dia benéfico, um domingo, uma hora propícia, a que antecede apenas ou vê despontar a aurora; ainda assim porém tu veras demais!
— Embora!
— Pedes-me uma segunda luneta mágica que te será fatal como a primeira.
— Já tenho por mim a experiência.
— Será o engano infantil na vida...
— Aceito!
— Será a credulidade insensata.
— Aceito!
— Será a inocência indefesa.
— Aceito!
— Será a zombaria do mundo e a cegueira da razão.
— Aceito!
— Por que, criança?...
— Porque eu quero ver.
— Verás demais!
— Aceito.
— Eu o sabia, e tanto que o altar está pronto e nos espera; já evoquei os espíritos elementares: nada falta; vamos.
Mas ao primeiro passo, o armênio levantou a lâmpada, inundou-nos de luz, e disse:
— Trazes vestidos de cor preta, que e antipática a Júpiter, cujo dia é hoje.,,
E fez com a mão um sinal que eu não vi com os olhos; mas a que obedeci, ficando imóvel, e como preso ao lugar que meus pés pisavam.
O armênio saiu do armazém para ir ao seu gabinete.
O Reis silencioso, eu estático, respirávamos apenas, dominados pelo prestigio do mágico que em breve tornou a aparecer, trazendo uma túnica de pano branco bordada de triângulos de prata.
Cumprindo as ordens do mágico tirei a sobrecasaca, o jaleco e a gravata que eram de cor preta, e vesti a túnica.
— Agora vamos, repetiu ele.
O Reis e eu seguimos em silêncio o mágico.