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A Luneta Mágica/IV/I

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O armênio e um mágico sublime.

A minha nova luneta é na visão das aparências ou igual ou superior a primeira.

Agora sim, creio que devo e posso considerar-me feliz; feliz porque possuo tão precioso instrumento ótico, feliz porque me é dado usar dele sem perigo.

Fiz o primeiro ensaio da minha nova luneta mágica, fitando-a de longe e às ocultas sobre os meus três parentes, e vi-os, distingui as feições de qualquer deles como as distinguira com a outra luneta, e até cheguei a ver mais, pois percebi um sinalzinho azul no meio da face esquerda da prima Anica, sinalzinho que lhe dá na verdade uma certa graça ao rosto.

Seguro da força do maravilhoso instrumento ótico, aumentou ainda mais a minha confiança no armênio, e resolvi logo pôr em prova a certeza que ele me dera de que eu poderia sem receio de perseguição ou de perigo algum usar da minha luneta mágica.

Apesar disso cumpre-me confessar que foi com algum abalo do coração e com a mão trêmula, que, ao sentar-me a mesa do almoço em companhia dos meus três parentes, prendi a um dos olhos por dois minutos a luneta mágica.

— Oh! temos nova luneta? disse sorrindo o mano Américo.

— É verdade, e ótima, como... a outra.

— Como a outra não, observou a tia Domingas; esta me parece diferente e não me faz mal aos nervos, como aquela que felizmente se quebrou.

O meu espanto não pode ser maior.

— Vê bem? Vê muito?... perguntou-me a prima Anica, cheia de curiosidade.

— Bem e muito, respondi.

— Que tenho no meu cabelo?

— Uma rede de retrós, que os contem.

— No meu peito?

— Um amor-perfeito.

— Nas minhas orelhas?...

— Nada; não traz brincos.

— É estupendo!

— Assim o penso.

— Por que não conserva fixada a sua luneta?

— Porque além de três minutos de fixidade eu veria mais do que devo e quero ver.

— O mal?

— Não; o bem.

— Ora! experimente em mim.

— De modo nenhum: o mágico me aconselhou que o não fizesse. — Eu lho peço.

— Deus me livre de obedecer-lhe, Anica.

— Empresta-me a sua luneta por cinco minutos?

— Sem dúvida.

Passei a luneta à prima Anica, que apenas fixou-a, exclamou, retirando-a:

— Ah!... nada posso ver... e que peso sobre os olhos... que fogo . . .

— É efeito da magia...

— Quando eu digo que há mágicos de Deus, e mágicos do diabo não querem me acreditar!... observou a tia Domingas.

— Ora pois, mano Simplício, disse meu irmão; conserve cuidadoso a sua boa luneta...

— Olhe-me com ela! tornou a prima Anica.

Fiz-lhe a vontade, olhei-a por dois minutos.

— Como me acha?

— Lindos cabelos, e rosto a que um sinalzinho azul na face esquerda dá tal encanto...

Anica interrompeu-me desatando a rir; mas com evidente satisfação da sua vaidade de moça.

Eu estava como assombrado.

Que mudança de idéias e de prevenções, e de apreciações relativamente à luneta mágica!

Quem pudera dizer aos meus parentes que a minha nova luneta não era como a outra, e que em vez da visão do mal, continha o poder da visão do bem?

Como isto aconteceu não sei; mas aconteceu.

Evidentemente eu não tinha perseguição, nem perigos a recear.

O armênio salvara-me.

O armênio é verdadeiro mágico.