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A Luneta Mágica/IV/XXII

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O caso foi o mais simples de todos os casos, ao menos pelo que me pareceu.

Vencido o prazo da letra aceita pelo velho Nunes, e que eu assinei como endossante e sacador, não tendo ido o aceitante pagá-la, veio pessoa competente exigir de mim o pagamento.

Eu estava em casa e também o mano Américo que tomando o documento e vendo a minha assinatura, encrespou as sobrancelhas, escreveu sem hesitar uma ordem para imediatamente ser paga e remida a letra não sei, nem me importa saber como e por quem.

Ficamos sós.

— Simplício, disse-me o mano Américo de mau humor; acabas de ser vitima de um velhaco.

— Velhaco? Não o creio.

— O Nunes? Todos o conhecem.

— Melhor o conheço eu.

— Como?

— Estudei-o perfeitamente por meio da minha luneta mágica que me dá a visão do bem. O velho Nunes é um tipo de probidade.

Américo olhou-me com a mais triste compaixão e tornou-me:

— Dez contos de reis! Deus permita que não seja esta a primeira bomba de alguma girândola de loucuras.

E tomando o chapéu, saiu apressado e como que abismado em mar de negras apreensões.

Eu estava espantado.

Para mim não havia nada mais natural, do que o velho Nunes não ter conseguido obter dez contos de réis no prazo fatal, e conseqüentemente pagar eu por ele.

Ninguém seria capaz de convencer-me de que o velho Nunes deixaria de pagar-me os dez contos de réis que eu apenas adiantara.

Era questão de tempo, demora de alguns dias ou de breves semanas.

A visão do bem não me enganava: o meu amigo Nunes é rígido como Catão, probo como a probidade mais austera.

E além de tudo isso, não é ele o feliz pai da formosa Nicota?