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A Luneta Mágica/V/I

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A suavidade das auras, a pureza do ar que banhavam docemente meu rosto e meus pulmões, o vivificante calor dos raios do sol venceram pouco a pouco a superexcitação nervosa que me ficara da tentativa de suicídio, do salto que eu dera, e da suspensão no espaço, na horrível boca do abismo.

Estirado no chão e em convulsivo tremor eu conservava a consciência de que vivia pela ativa lembrança das sensações instantâneas, mas violentas que me tinham torturado a alma; primeiro o adeus, extremo adeus deixado ao mundo, depois, dado o salto, o arrependimento súbito e vão; logo o socorro imediato e não esperado, e enfim a esperança, as ânsias e o terror desses instantes supremos, indizíveis em que me achei entre a vida e a morte, entre o suicídio que parecia absorver-me, e as mãos da providência que me continha pelas orelhas.

Passada uma longa hora, senti que me voltavam as forças.

Ajoelhei-me, e repeti em voz baixa breve oração.

Depois levantei-me e disse, procurando debalde com os olhos o armênio:

— Obrigado!

— Bom sinal! observou este; o teu coração voltou-se para Deus, e depois de render-lhe graças, a tua voz disse na primeira palavra um voto de gratidão ao homem que te salvou: morreste louco, e renasceste ajuizado.

Eu desatara a chorar, e chorei longamente.

O armênio tornou-me, depois de deixar muito tempo livre curso a meu pranto.

— Criança adoidada: já te puxei bastante as orelhas; mancebo infeliz, quero agora consolar-te.

Enxuguei com precipitação as lágrimas, e lancei os olhos quase sem luz para o lado, donde me vinha a voz do armênio.

Ele riu-se e acrescentou

— Adivinhei o teu criminoso intento e vim aqui salvar-te do suicídio, e dar-te nova, terceira e última luneta mágica.

— Oh! .. e onde? e quando?

— Aqui mesmo e em breve.

— Que felicidade!

— Vou proceder à operação mágica.

— Eu a espero ansioso.

— E não tens medo? .. aqui.. neste lugar deserto... a sós comigo. . .

— Não.

— Confias pois muito em mim?

— Muito.

— Não há confiança sem fundamento que ao menos se suponha seguro, e tu nem sequer sabes como me chamo, o que não me admira, porque nem sabes o teu verdadeiro nome.

— Eu o conheço pelo armênio, o mais sábio dos mágicos, e sei que recebi na pia batismal o nome de Simplício.

— Erro duplo! não há aqui armênio nem Simplício.

— Então como nos chamamos?

— Eu me chamo Lição.

— E eu?

— Tu te chamas Exemplo.

— Ah!

— Escuta-me.