A Morte da Águia/V
O Canto das Águias
«A vida dos herois
Faz-nos luzir os olhos coruscantes
Com a firmêsa rude dos diamantes
E o brilho ardente e fúljido dos sóis.»
«Nós fitamos o Sol sem que os seus raios
Ceguem, fulminem mais que o nosso olhar...
Nunca temos vertijens, nem desmaios,
Abrindo a nossa asa resoluta
Pelas rejiões altíssimas do ar,
Ou quando o sangue corre em plena luta! »
«Astros ardendo no zenith,
Tal como o abismo, o Céu, o livre espaço,
Nossos desejos nunca tem limite;
Desprezamos a órbita traçada:
Aí — o ar mais livre é-nos escasso
E a trégua por mais dôce é-nos pesada!
E a cada passo
Desejos mais profundos
Erguem-se em nós gritantes d'ansiedade,
Consumindo na chama novos mundos,
Indo até onde vai a Tempestade!»
«Que tumultuôso e arrebatado anseio!...
Em nós toda a vontade satisfeita
Tem um sabôr amargo...
Trazemos a rugir dentro do seio
Duma contínua fúria insatisfeita
O coração raivôso do Mar largo!»
«Se a fome e a sêde toda se levanta,
A onda dos desejos nos inunda
Em haustos tam aflitos,
Que vem do coração para a garganta,
E é tam profunda
Que nos sufoca os gritos!»
«É tanta, é tanta, que não cabe em nós,
E dentro do mar íntimo, disperso
Cada onda emotiva ganha voz
E anseia a Vida plena do Universo.»
«Para além, para além...
Ó cumes solitários,
Sômos as vossas sentinelas,
É este o nosso toque de clarim;
Andamos pelo Azul como os corsários:
Abrir as asas é soltar as velas
Pelo Mar-fóra, pelo Céu sem fim.»
«Para além, para além, fúria do imenso,
Fogo que nos abrasas...!
Raiam auroras de desejo intenso
Vibram heroicas tubas de alegria
Quando abrimos as asas
Na luz do Sol, ao ar das ventania!»
«A guerra a guerra, a luta, a vida forte;
Só ama a Vida quem despreza a Morte;
Não ha desastre que o valôr nos quebre;
Em frente do mais válido inimigo
Ou quando mais nos ameaça o perigo
Sobe até ao delírio a nossa febre!»
«Soltai os halalis, clarins da glória;
Voemos todas nas regiões empíreas
A busca do triunfo e da vitória,
Como a coorte alada das Walkírias.»
«Para além, para além...! Só no mais alto cume
A nossa carne, ébria de goso,
Encontra a neve e o frio
Pra que se apague mais o eterno lume
Que nos devóra o coração sequioso,
Como as searas no estio.»
«Ciclones, tempestades, furacões
Quando cinjis no vosso largo açoite
As trémulas florestas pela noite,
E quando vam os lívidos clarões
«Apunhalar o coração da Treva,
Logo a purpúrea chama
Da vida ardente em nós se eleva,
E num incéndio súbito ateado
Valôr, nobreza, audácia, intrepidez,
Tudo que ha de profundo em nós se inflama
E deixa o peito imenso dilatado
De fúria, de loucura e de embriaguez!»
«Para além, para além!... Ó cumes d'altos montes
Estais abrindo os largos horizontes
Aos nossos valorosos corações!
Quando a Noite no Céu mais se condensa,
Sobe de fúria a nossa vida intensa
E vamos-lhe arrancar constelações!»
«Quando a alma dos fracos desfalece,
Porque anda a Tempestade pelo Empíreo,
Como o corcel da Morte a toda a brida,
Dá-nos o raio o fogo do delírio,
E só em nosso peito resplandece
O facho ardente e trémulo da Vida!»