A Morte do Lidador/V
Entretanto os mouros iam de vencida: Mem Moniz, D. Ligel, Godinho Fafes, Gomes Mendes Gedeão e os outros cavaleiros daquela lustrosa companhia tinham praticado maravilhosas façanhas. Mas, entre todos, tornava-se notável o Espadeiro. Com um pesado montante nas mãos, coberto de pó, suor e sangue, pelejava a pé; que o seu agigantado ginete caíra morto de muitos tiros de frechas lançadas. De roda dêle não se viam senão cadáveres e membros destroncados, por cima dos quais trepavam, para logo recuarem ou baquearem no chão, os mais ousados cavaleiros árabes. Como um promontório de escarpados alcantis, Lourenço Viegas estava imóvel e sabranceiro n meio do embate daquelas vagas de pelejadores que vinham desfazer-se contra o terrível montante do filho de Egas Moniz.
Quando o fronteiro caiu, o grosso dos mouros fugia já para além do pinhal; mas os mais valentes pelejavam ainda à roda do seu moribendo. O Lidador êsse tinha sido pôsto em cima de umas andas, feitas de troncos e franças de árvores, e quatro escudeiros, que restavam vivos dos dez que consigo trouxera, o haviam transportado para a saga da cavalgada. O tinir dos golpes era já muito frouxo e sumiam-se no som dos gemidos, pragas e lamentos que soltavam os feridos derramados pela veiga ensangüentada. Se os mouros, porém, levavam, fugindo, vergonha e dano, a vitória não saíra barata aos portuguêses. Viam perigosamente ferido o seu velho capitão, e tinham perdido alguns cavaleiros de conta e a maior parte dos homens de armas, escudeiros e pajens.
Foi neste ponto que, ao longe, se viu erguer uma nuvem de pó, que voava rápida para o lugar da peleja. Mais perto, aquêle turbilhão rareou vomitando do seio basto esquadrão de árabes. Os mouros que fugiam deram volta e gritaram:
A Ali-Abu-Hassan! Só Deus é Deus, e Maomé o seu profeta!
Era, com efeito, Ali-Abu-Hassan, rei de Tânger, que estava com seu exército sôbre Mertola e que viera com mil cavaleiros em socorro de Almoleimar.