A Viuvinha/IV

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Para um homem habituado aos cômodos da vida, a essa existência da gente rica, que tem a chave de ouro que abre todas as portas, o talismã que vence todos os impossíveis, essa palavra pobre é a desgraça, é mais do que a desgraça, é uma fatalidade.

A miséria com o seu cortejo de privações e de desgostos, a humilhação de uma posição decaída, a terrível necessidade de aceitar, senão a caridade, ao menos a benevolência alheia, tudo isto desenhou-se com as cores mais carregadas no espírito do moço à simples palavra que seu tutor acabava de pronunciar.

Contudo, como já se havia de alguma maneira preparado para uma vida laboriosa pelo tédio que lhe deixaram os seus anos de loucura, aceitou com uma espécie de resignação o castigo que lhe dava a Providência.

— Estou pobre, disse ele, respondendo ao sr. Almeida, não importa; sou moço, trabalharei e, como meu pai, hei de fazer fortuna.

O velho abanou a cabeça com uma certa ironia misturada de tristeza.

— O senhor duvida? O meu passado dá-lhe direito para isso; mas um dia lhe provarei o contrário e lhe mostrarei que mereço a sua estima.

— Esta promessa ma restitui toda. Mas que conta fazer?

— Não sei; a noite me há de inspirar. Liquidarei esse pouco que me resta...

— Esse pouco que lhe resta?

— Sim.

— Não me compreendeu então; disse-lhe que estava pobre; não lhe resta senão a miséria e...

— E... balbuciou o moço, pálido e com a alma suspensa aos lábios do velho, cuja voz tinha tomado uma entonação solene ao pronunciar aquele monossílabo.

— E as dívidas de seu pai, articulou o sr. Almeida no mesmo tom.

Jorge deixou-se cair sobre a cadeira com desânimo; este último golpe o prostrara; a sua energia não resistia.

O velho cuja intenção real era impossível de adivinhar, porque às vezes tornava-se benévolo como um amigo e outras severo como um juiz, encarou-o por algum tempo com uma dureza de olhar inexprimível:

— Assim, disse ele, eis um filho que herdou um nome sem mancha e uma fortuna de duzentos contos de réis; e que, depois de ter lançado ao pó das ruas as gotas de suor da fronte de seu pai amassadas durante trinta anos, atira ao desprezo, ao escárnio e à irrisão pública esse nome sagrado, esse nome que toda a praça do Rio de Janeiro respeitava como o símbolo da honradez. Diga-me que título merece este filho?

— O de um miserável e de um infame, disse Jorge, levantando a cabeça: eu o sou! Mas a memória de meu pai, que eu venero, não pode ser manchada pelos atos de um mau filho.

— O senhor bem mostra que não é negociante.

— Não é preciso ser negociante para compreender o que é a honra e a probidade, sr. Almeida.

— Mas é preciso ser negociante para compreender até que ponto obriga a honra e a probidade de um negociante. Seu pai devia; em vez de saldar essas obrigações com a riqueza que lhe deixou, consumiu-a em prazeres; no dia em que o nome daquele que sempre fez honra à sua firma for declarado falido, a sua memória está desonrada.

— O senhor é severo demais, sr. Almeida.

— Oh! não discutamos; penso desta maneira; não sou rico, mas procurarei salvar o nome de meu amigo da desonra que seu filho lançou sobre ele.

— E o que me tocará a mim então?

— Ao senhor, disse o velho, erguendo-se, fica-lhe a miséria, a vergonha, o remorso, e, talvez mais tarde, o arrependimento.

A angústia e o desespero que se pintavam nas feições de Jorge tocavam quase à alucinação e ao desvario; às vezes era como uma atonia que lhe paralisava a circulação, outras tinha ímpetos de fechar os olhos e atirar a matéria contra a matéria, para ver se neste embate a dor física, a anulação do espírito, moderavam o profundo sofrimento que torturava sua alma.

Por fim uma idéia sinistra passou-lhe pela mente e agarrou-se a ela como um náufrago a um destroço de seu navio; o desespero tem dessas coincidências; um pensamento louco é às vezes um bálsamo consolador, que, se não cura, adormece o padecimento.

O moço ficou de todo calmo; mas era essa calma sinistra que se assemelha ao silêncio que precede as grandes tempestades.

Tudo isto se passou num momento, enquanto o sr. Almeida, com o seu sorriso irônico, abotoava até a gola da sua sobre-casaca, dispondo-se a sair.

— Estamos entendidos, senhor; pode mandar debitar-me nos seus livros pelas dívidas de seu pai. Boa noite.

— Adeus, senhor.

O velho saiu direito e firme como um homem no vigor da idade.

Jorge escutou o som de suas passadas, que ecoaram surdamente no soalho, até o momento em que a porta da casa se fechou.

Então curvou a cabeça sobre o braço, apoiado ao umbral da janela, e chorou.

Quando um homem chora, minha prima, a dor adquire um quer que seja de suave, uma voluptuosidade inexprimível; sofre-se, mas sente-se quase uma consolação em sofrer.

Vós, mulheres, que chorais a todo o momento, e cujas lágrimas são apenas um sinal de vossa fraqueza, não conheceis esse sublime requinte da alma que sente um alívio em deixar-se vencer pela dor; não compreendeis como é triste uma lágrima nos olhos de um homem.