A ilha maldita/XVIII
Entretanto, o afouto e vigoroso mancebo, prosseguindo com ardor sua derrota, já havia ganhado as proximidades da ilha maldita e, empregando todo o seu vigor e perícia, já lutava contra as ondas revoltas e alterosas que a rodeavam e que o repeliam jogando o seu batel em violentas guinadas e boléus desencontrados. À custa de inauditos esforços conseguira, enfim, avizinhar-se na distância apenas de algumas amarras, e avistar mais de perto a ilha, que não lhe era de todo desconhecida.
Era uma extensa e bronca penedia, lisa, maciça e abrupta sobre as vagas, à semelhança de muralhas de uma fortaleza titânica, mas sem portas nem seteiras, ameias nem merlões. Apenas aqui e acolá algumas depressões ou saliências denteavam a sombria plataforma, como guaritas desse castelo colossal. Apesar, contudo, de seu medonho e ameaçador aspecto, Rodrigo não desanimava, e porfiava em vão por avizinhar-se cada vez mais da enorme e pavorosa mole de granito. As ondas, horrivelmente revoltas e cavadas rebentando em fúria umas contra as outras, traziam em torturas o seu mísero batel, que, já pesado e com a vela encharcada pelo marulhar das vagas, parecia estrebuchar como animal ferido em ânsias de agonia.
Já Rodrigo, exausto de forças sentindo seu braço desfalecer, via extinguir-se-lhe dentro da alma o último vislumbre de esperança quando, erguendo os olhos, viu sobre uma das saliências da penedia um vulto branco.
Era uma mulher que lá estava, não podia haver a menor dúvida; trazia vestes alvas como a neve, e sobre a fronte uma grinalda da mesma cor, mas bastantemente desbotada e amarelecida pelo tempo.
Diríeis uma estátua de alabastro pousada sobre pedestal de bronze, se não lhe ondulassem ao vento as roupas roçagantes desenhando-lhe o donoso talhe, e os graciosos e elegantes contornos da figura.
A fitar aquele vulto que parecia um fantasma aéreo, Rodrigo estremeceu.
Era Regina; reconheceu-a embora não pudesse distinguirlhe as feições na distância em que se achavam, mas o coração, que começava a bater-lhe em alvoroço extraordinário, lhe tinha adivinhado.
— É ela! — murmurou com voz convulsa, comprimindo o peito que parecia querer lhe arrebentar. — É ela…! E não posso eu lá ir vê-la um só instante, arrojar-me a suas plantas, morrer a seus pés, e no derradeiro alento da vida que se exala, como último olhar embaciado pelas sombras da morte que se avizinha dizer-lhe: “Amo-te, Regina…!” Oh! Desespero, pior do que mil mortes…! Oh, penedo inexorável…! Oh, ondas…! Ondas malditas…!
E soltando um rouco rugido, pôs-se em pé de um salto e, arrancando o sombreiro, sacudiu a cabeça lançando para traz os longos cabelos escuros como o leão sacode a juba, e, acenando violentamente, gritou com toda a força que lhe era possível:
— Regina…!
Era como o grito desesperado do nauta que se afoga.
Regina não lhe respondeu, mas Rodrigo, que dela não despregava os olhos, viu que lhe fazia vivos e expressivos acenos. Rodrigo os compreendeu logo com essa intuição penetrante, que dá a força de uma vontade inquebrantável. A moça lhe dava a entender que o receberia com muito prazer em sua ilha, mas para isso lhe indicava com mímicas apropriadas que se afastasse algum tanto daqueles rochedos, se fizesse mais ao largo e costeando a ilha, encontraria pelo lado do oriente modo fácil e suave de nela desembarcar.
Louco de prazer, de esperança e de impaciência, Rodrigo, obedecendo às indicações da moça, deixou que as ondas rejeitassem seu barco para longe das penedias; achando-se suficientemente delas afastado, bordejou-as por algum tempo até chegar à sua face oriental. Mas na distância em que se achava, não viu mais que a mesma linha contínua e maciça de penedias abruptas, que se prolongavam indefinidamente como um anel circulando a ilha.
Cruel foi a sua decepção, julgando-se vítima de uma ilusão ou de um feroz escárnio da malévola fada. Todavia para lá velejou resolutamente o denodado barqueiro, e no fim de algum tempo notou com prazer que as ondas não o repeliam mais, antes pareciam comprazer-se em levá-lo tranquila e suavemente para os domínios da misteriosa beldade. Não levou muito tempo a chegar à base dos penedos e descortinar a única e estreita abertura que dava ingresso aos tremendos alcáceres da fada dos mares, e por onde o oceano, apertado entre dois rochedos a prumo — soberbos umbrais daquele castelo titânico —, penetrava na ilha e ia lá dentro espraiar-se em serena e espaçosa baía de forma quase circular.
Transposto o estreito e pouco extenso canal, Rodrigo ficou atônito ao ver de súbito, e como por encanto, desenrolar-se diante de seus olhos o risonho e delicioso aspecto que apresentava o interior daquela ilha, que por fora não era mais que uma informe e medonha massa de granito, eternamente açoitada pelas ondas enfurecidas.