A tacha maldita/VI
- I
Não suponham, porém, que o desfrutável Chico
Apesar de apanhar e de calar o bico,
Não sentisse por dentro uns laivos de vingança:
Apaixonado estava da gentil criança.
Aquele olhar bravio no auge da paixão
Deitando em borbotões o mel do coração;
A energia viril, freqüente nas mulheres,
Quando feridas são da honra nos deveres;
Aquela alma divina em corpo todo Artístico,
O espírito mais concreto transformando em místico...
Confessa, oh bom leitor, aqui muito baixinho,
Preso serias tu, também pelo beicinho...
Eis como formigavam na cabeça tonta
Do esquálido mancebo — a quem ora desponta
A fria luz dos túmulos do ermo cemitério —
Os tredos pensamentos, é negócio sério:
— Hás de ser tu, menina, o último troféu
Que a fronte me ornará de bravo Macabeu.
Me aproximar de ti, ligar-te a teu amante,
Fazer ambos felizes — é mui justo e nobre;
Mas depois ferirei coa lança o Elefante,
Embora o triste sino por finados dobre.
Morrerei sepultado ao peso da vitória.
Mas de gozar-te, oh anjo, sim, terei a glória.
Assim maquinejava. Inverso general,
Que por fazer um bem, quer obter um mal.
Um homem que se abate às cousas femininas,
As quais, — como as mulheres vis, as messalinas,
Se escancham no cangote aos ricos bestalhões, —
Dominam prontamente os ânimos vilões.
Chegou o vosso tempo, oh mui gentis crioulas,
As saias que vestis mais valem que ceroulas
Desses patifes todos — caras delambidas
Que desejam gozar, gozar de vossas vidas.
Vos amo grandemente, oh lindas brasileiras,
— Oh queirais perdoar minhas febris asneiras! —
Mas vós não sejais tolas. Reparai a Iza
Como se arrroja as fuças do louco do bordel,
A cara lhe arrebenta e por um triz que o pisa.
Espatifai o Demo, sois o São Miguel.
Sede a Judith sublime da Bethulia vossa,
Já que sois o Amor, a segurança nossa.
Ainda maquinava o moço merencório.
Escrevendo já vou no meu débil versório:
— Izabel, p'ra casar, precisa de fugir,
Dinheiro tenho eu — ou, pois, tudo que urgir.
Farei, por conseguinte, o belo casamento.
Depois, realizarei o desejado intento.
E que vingança?! Oh que! terei muitos lauréis!
Vou escrever o plano, e, pelos meus papéis,
Depois que eu transformar-me na matéria fria,
Serei celebrizado por sabedoria.
— Izabel me dará por fim o coração
Cedendo ao doce peso, ao money gratidão.
- II
Como o céu azul,
Lindo e luminoso;
Que depois trevoso
Fica, do vento sul...
Lírio, do paul
Surgindo formoso:
David, tão saudoso
Herdando a Saul...
Gira assim o mundo...
Agora mui alto,
Agora profundo.
Este crime exalto.
— Crime tão imundo?!
Meu dever não falto.